O processo de criação do ator parte de uma experiência pessoal, de uma pesquisa que desenvolva um sentido para o que se imagina. O trabalho do ator deve buscar descobrir no corpo o que o personagem pode vir a ser, utilizando suas memórias pessoais para tornar mais real à interpretação que se deseja. Quando se menciona algo pessoal, o assunto se refere à história de vida, algo que seja perceptivo para a criação do ator. É nesse argumento que entra em discussão a ação física, uma manifestação de força e energia para se criar um personagem.
O acionamento da ação é imperceptível, ela surge por meio dos pensamentos que se ligam a um conjunto de regras que fará o corpo articular-se em várias ações, algo que parte do interno em fração de segundos e colide na tensão provocada pelo “eu” dentro. O ator deve deixar a intuição livre para que o sentido friccione a espinha dorsal que vai se partindo em movimentos numa explosão das ações.
O movimento está relacionado a um ponto imperceptível ligado ao inconsciente dentro do corpo. Ele aciona a reação vista que desenha o balanço junto ao espaço. Para o ator e diretor Luís Otávio Burnier, em A arte de ator: da técnica à representação (Editora Unicamp, 2009), o elemento importante das ações físicas é a “intenção que acarreta uma contradição ou uma oposição interior manifestada muscularmente, mesmo se em um lapso curto de tempo, e conecta, numa linha de tensão, algo de si com algo fora de si. Por ter origem em si, a intenção deve partir do tronco para fora”. (BURNIER, 2009)
Leia também
» O que pode o corpo?
» O ator: servo do teatro
A intenção suscita o movimento preciso, ágil, rápido, partindo de uma ação externa que ativa o interno num flash. O acionamento percorre por toda extremidade e atinge em instantes uma ação precisa. É o movimento acionado pelo de fora, é o corpo reverberando do eixo, é o sistema orgânico que se estremece em movimento, é a reação que nos atinge sem passar pelos pensamentos. É a organicidade dos pontos que mostra o sentido natural da vida.
É preciso ter vida, buscar reviver a energia de dentro para alcançar a intenção de um determinado personagem que flui com o movimento do processo da pesquisa.
Entre as inúmeras formas de se representar, buscamos um sentido único. A criação passa por pequenos movimentos de partidas e chegadas, uma linha que percorre a ação. Se desenharmos cada linha dessas, interpretaremos nossa história com o real sentido de revivê-la em um personagem, passando pelas ações físicas e organicidade do que queremos partindo das partituras codificadas.
A busca do movimento segue o caminho dos sentidos existente do corpo humano. É preciso ter vida, buscar reviver a energia de dentro para alcançar a intenção de um determinado personagem que flui com o movimento do processo da pesquisa.
Deve-se buscar a intenção do movimento como um animal, algo que desperta em nosso interior a imagem do imperceptível, do impossível. É preciso agir como a criança age em sua simplicidade, mostrando a organicidade verdadeira da percepção dos fatos. O choque da realidade é demonstrada na ação; não se pensa, a atitude flui com a vontade do corpo que pede a exploração da adrenalina que vem de dentro de si. Tudo é orgânico, vontade de liberar o impulso que a energia dos sentidos pede. Para atuar, devemos realizar o que a matéria orgânica evidência em nosso corpo, tendo sempre o domínio das articulações que vão seguindo os movimentos.
Corpo é memória, matéria orgânica que representa todos os sentidos. Faz parte da nossa dramaturgia pessoal que permite o ator transgredir, reviver, buscar entre outras formas o sentido da intenção. A ação física é a continuidade de nossas vontades, ela segue reproduzindo o livre movimento até chegar à representação da ideia que queremos passar. Tira o de dentro, mostra a imaginação e recriar a pulsação de nosso organismo. Somos a nossa própria existência em cada processo de atuação, nossa historia de vida está ligada em cada criação artística.