A solidez de uma edificação e a fragilidade da vida.
O cimento e a máquina que se fundem com o homem e a lágrima.
A vulnerabilidade que se concretiza no concreto.
Esses são alguns aspectos que podem ser observados em “Construção”, de Chico Buarque, que fazem dela uma das principais composições da música brasileira.
Isso porque as suas muitas virtudes continuam a chamar atenção 46 anos após o seu lançamento, configurando-se não apenas como marcante para a sua geração, mas mantendo-se relevante para as demais.
Assim, a sua criação única a mantém viva, não em um passado intocado, mas sempre presente, possibilitando novas versões e visões que se multiplicam e fazem com que a construção continue.
O mais recente construtor é o MC mineiro Fabrício FBC, que tomou a obra clássica como ponto de partida, assim como o pioneiro Gog, chegando a um ponto distinto, ainda que ambos representem o mesmo gênero musical.
No caso da música lançada na última sexta-feira (14), a homenagem se presta por meio de um videoclipe com tom de revolta, aproximando-se da original por meio da temática ao trazer um personagem que chega ao fim da linha carregando consigo uma filha e as mais diversas dificuldades.
Diante dessa situação, o protagonista de “Cimento e Lágrimas”, que teve poucas oportunidades de trabalho e educação, encontra-se diante das duas opções que lhe restam: escolher entre o crime ou o trabalho pesado e mal remunerado.
A escolha feita por ele é a de desempenhar a função de quem faz desenhos lógicos e perde a vida de maneira ilógica. Diante disso, o integrante da Dv Tribo questiona se “morrer por nada te faz feliz?”.
Essa dedicação da vida em nome do trabalho também fica marcada por meio do refrão, que remete ao trecho final da criação de origem e que tem referência em outra composição de Chico (“Deus lhe pague”), presente no mesmo disco.
Assim, Fabrício FBC deixa bastante explícita a insatisfação de quem, mesmo diante das injustiças, é obrigado a agradecer pelo pouco que lhe foi dado.
E se a versão do MC conhecido pelas batalhas de rima em BH se aproxima de Chico Buarque por meio da temática, a do brasiliense Gog estabelece um ponto comum por meio da questão formal, outro fator que se sobressai na versão original.
Isso porque, em “Construção”, a criação da letra em dodecassílabos alterna rimas em proparoxítona que aliadas ao arranjo de Rogério Duprat, intensificado progressivamente, faz com que a música simule o ritmo de um canteiro de obras.
Além disso, é também notável o fato de os versos se alterarem após a morte do personagem, característica que, em “Desconstrução”, pode ser encarada como uma consequência da confusão mental do protagonista.
A escolha feita por ele é a de desempenhar a função de quem faz desenhos lógicos e perde a vida de maneira ilógica.
Isso pois, invés de se dedicar a um trabalhador da construção civil, a canção interpretada por Victor Vitrola se dedica a um outro tipo de pedreiro, o viciado em crack.
Dessa maneira, a faixa do disco Genival Oliveira Gonçalves (2015), que tem o objetivo de homenagear a MPB (Música Preta Brasileira), infelizmente, tem um fim previsível, uma vez que a morte pelas mãos da polícia é bastante comum para quem sofre dessa dependência química.
Apesar da tragédia, Gog mostra que é possível encontrar poesia em meio a um degradante contexto social, que se mostra diferente daquele em que se deu a concepção originária.
No entanto, embora não existissem cracolândias em 1971, ano em que o disco nativo foi lançado, o cenário político explodia.
Sob o regime do Ato Institucional número cinco, promulgado pela ditadura militar em dezembro de 1968, diversos artistas sofreram com a repressão, que chegou até Chico Buarque uma semana depois por meio de um interrogatório no Ministério do Exército.
Apesar disso, Chico teve sorte, uma vez que para Caetano Veloso e Gilberto Gil foi imposta a detenção. Além do meio artístico, o governo ditatorial foi também o responsável por prisões, desaparecimentos, a cassação do mandato de vários deputados e o fechamento do congresso nacional.
Com o cerco se fechando, Chico se exilou voluntariamente em Roma ao lado da esposa grávida e só voltou ao Brasil um ano mais tarde, já com parte das composições do disco prontas.
Com isso, o fato de Fabrício FBC e Gog ressignificarem e reconstruírem “Construção” se configura não apenas como uma homenagem musical, mas sim como um posicionamento político e um resgate dessa história, a própria história do Brasil.
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