Não é necessário ser grande entendedor de arte para ter familiaridade ao menos com o nome Basquiat. O mito em torno do artista, ícone dos anos 80, continua se intensificando dia pós dia, mesmo com sua precoce morte em 1988. Afinal, nos últimos 15 anos, seu trabalho vem seguindo uma crescente valorização no mercado de obras de arte – segundo o The New York Times, algo em torno de dez vezes mais que o valor estimado em 2003.
Seu quadro “Untitled” (1982) o consagrou, ainda, como o artista norte-americano mais caro do mundo, pelo “simplório” valor de US$ 110 milhões em 2017 – posição que considero de certa forma irônica quando percebemos as reais motivações por trás dos trabalhos de Basquiat, que tinham uma grande carga de crítica social.
Da periferia de Nova Iorque para o mundo, Jean-Michel Basquiat teve uma breve carreira com proporções meteóricas. Hoje colocado no mesmo escalão que Picasso e Francis Bacon pelo mercado da arte, o americano de pai haitiano e mãe porto-riquenha viveu rápido demais – aos quatro anos, já lia e escrevia; aos 11, já era fluente em três línguas; aos 16, era expulso de casa, e com 23 já vendia obras por US$ 25 mil.
Basquiat, porém, não foi um fenômeno à toa – sua gigante ascensão e precoce morte estão muito ligadas ao mundo da arte da sua época. O mercado de obras dos anos 80 efervescia depois de uma década de certa letargia, tendo como parceiros as novas tecnologias e os meios de massa. Artistas como Basquiat eram alçados ao patamar de super-estrelas aos olhos da mídia, da elite de colecionadores e do público em geral. A publicidade era intensa, e a especulação do que era cool também. Não creio ser por acaso que as mortes dos artistas de sua geração tenham sido em sua esmagadora maioria trágicas e decorrentes de estilos de vida hedonísticos.
Basquiat foi revolucionário para a arte contemporânea, trazendo, além do grafite, diferentes perspectivas da anatomia humana às graças do público.
Não podemos, no entanto, cometer o crime de desmerecer todo o brilhantismo do artista em decorrência da especulação e do circo criado pela mídia da época. Basquiat foi revolucionário para a arte contemporânea, trazendo, além do grafite, diferentes perspectivas da anatomia humana às graças do público.
A crueza e o caos inerente aos seus quadros mantêm um balanço contraditório e muito bem lapidado, assim como a crítica social abstrata, casando texto, pintura e história. Críticos da época insistiam, ainda, que as obras de Basquiat passavam a impressão de uma instrução formal em artes que o artista de fato não possuía.
De um grafiteiro rebelde ao americano mais caro do mundo da arte, percebemos que a trajetória artística de Basquiat não terminou em sua overdose de heroína em 1988. Todo o misticismo em torno de sua figura, estilo e conjunto da obra vivem à altura de quem de fato era, mas, assim como a subjetividade inerente à arte, o sucesso da venda de “Untitled” (1982) é igualmente subjetivo. Afinal, são os multibilionários que definem o valor real de artistas como Basquiat?
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