Lembro-me bem da câmera que meus pais usavam em nossas idas à praia, aos passeios no Jardim Botânico. Era requerida muita atenção na hora da captura fotográfica: cuidado para não fechar os olhos! Eu piscava tudo o que podia piscar antes que fosse tarde e fosse eternizada adormecida. Não tardou muito, no entanto, para que surgissem as cybershots. Na época do nascimento de minha segunda irmã, em 2002, as câmeras analógicas de casa já estavam guardadas no fundo do armário, para serem reexaminadas por mim apenas uma década depois.
Nesse meio tempo, o desenvolvimento desenfreado da tecnologia digital pareceu ter devorado as câmeras de filme. Enquanto crescia, me recordo de vê-las somente nos passeios escolares, quando os pais tinham receio demais de entregarem suas preciosas câmeras digitais para crianças fazerem registros. Assim, primeiramente, minha geração viu o eletrônico tirar de maneira rápida o analógico de cena. Com a posterior modernização dos aparelhos celulares, marcas como a Polaroid e a Kodak se arrastavam para sobreviver. Até meu ensino médio, considerei máquinas analógicas absolutamente obsoletas.
Porém, assim como os discos de vinil, que sobreviveram a um longo período quase sem pontos de fabricação, adeptos ferrenhos se agarravam a seus filmes, cujas qualidades e possibilidades de experimentação não eram supridas pela instantaneidade digital. Foi quando não parecia haver mais volta que o trunfo eu posso tirar a foto que eu quiser no momento que eu quiser se tornou justamente o primeiro suspiro para a ressurreição do filme. Os constantes avanços das câmeras digitais trouxeram a uma considerável parcela de consumidores desse mercado um sentimento de perda do significado de tirar uma foto.
Depois de assaltarmos as câmeras antigas dos nossos avós e irmos até o quinto dos infernos atrás de câmeras antigas em sebos, observamos a volta dos dias gloriosos do filme.
Em 2010, explodia a lomografia, o primeiro contato da minha geração com o universo analógico pós-infância. Apesar de não oferecerem grandes possibilidades de ajuste de obturador, por exemplo, as câmeras da marca Lomo chamavam a atenção por seus efeitos artísticos e modelos de plástico e cores vivas.
Para uma adolescente curiosa como eu na época, sempre em busca de algo que me fizesse sentir diferente, nada parecia mais tentador. Em pouco tempo, a Lomo adquiriu um status de hype, e mostrava que a fotografia analógica era diferente das máquinas digitais do século 21, diferente de tudo. O símbolo do Instagram – a câmera de estética colorida e analógica – e os primeiros efeitos de imagem que o aplicativo ofertava chegavam a imitar as máquinas da Lomo.
A marca inseriu um enorme público no mundo 35mm, que depois a abandonaria para atingir novos horizontes com câmeras mais profissionais. Creio que, sem a disseminação da lomografia naquele tempo, não teríamos um cenário analógico tão prolífico quanto temos hoje.
Depois de assaltarmos as câmeras antigas dos nossos avós e irmos até o quinto dos infernos atrás de câmeras antigas em sebos, observamos a volta dos dias gloriosos do filme.
No próprio Instagram, essencialmente digital, hashtags como “filmisnotdead”, “filmisalive”, “35mm” e “ishootfilm” são bastante populares. Revistas de renome como Vogue, i-D, Nylon, Interview e Wonderland já passaram a adotar editoriais de moda em 35mm, com jovens fotógrafos altamente especializados na técnica.
A estética e o requinte natural que o filme fotográfico traz às imagens começa a ser mais valorizado que inúmeras habilidades em Photoshop. Em um mundo cada vez mais plástico e manipulado, a fotografia analógica nos traz respiro.
Para maior conhecimento de fotógrafos analógicos e toda a experimentação que esse nicho oferece, segue uma seleção de destaques. Quem sabe, assim, você adere a elas também.









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