Apesar da reabertura dos cinemas, muitas produções chegaram às telas dos lares brasileiros através das plataformas de streaming. A MUBI, por exemplo, tem crescido a passos largos, em especial no segmento de “cinema de arte”. Outros títulos foram direto para o VOD por serem realizadas pelas gigantes do mercado, ou por terem adquirido seus direitos de distribuição.
No caso das produções que ainda chegam primeiro às salas de cinema, seguimos desfalcados de filmes que já estrearam nos Estados Unidos, muitos deles apontados como os destaque da nova safra. Seja como for, não dá para afirmas que 2022 não tenha sido bom para o cinema. Títulos como Argentina, 1985 e Marte Um mostram que a produção latino-americana segue viva, o que é um ótimo sinal.
Juntamos equipe e convidados para passar o ano cinematográfico a limpo, selecionando o melhor filme na opinião de cada crítico, além de outros destaques que acreditam merecer a atenção do público. Confira.
Marden Machado
‘Drive My Car’ | Ryusuke Hamaguchi
O cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi vem construindo uma carreira com roteirista e diretor. Sua filmografia, bastante sólida nos temas e nas abordagens que faz, é das mais estimulantes, não apenas no Japão, mas no mundo todo. Drive My Car, de 2021 mas lançado no Brasil em 2022, é mais um excepcional exemplo de seu fabuloso talento narrativo.
A maioria das cenas acontece dentro do carro, um Saab 900 Turbo de cor vermelha, modelo 1987. Hamaguchi prima por diálogos inspirados e profundos, bem como por mostrar um rigor estético fortemente autoral. Seu cinema não é apressado.
Apesar de suas quase três horas de duração, Drive My Car flui que é uma maravilha. Vencedor do Oscar 2022 na categoria de melhor filme internacional, trata-se de uma obra delicada contada de maneira sensível e original. E que consegue passar longe de tudo o que já vimos em outros filmes de estrada.
Outros destaques para Marden Machado em 2022:
- Marte Um, Gabriel Martins
- Moonage Daydream, Brett Morgen
- A Pior Pessoa do Mundo, Joachim Trier
- RRR: Revolta, Rebelião, Revolução, S.S. Rajamouli
Paulo Camargo
‘Flee – Nenhum Lugar para Chamar de Lar’ | Jonas Poher Rasmussen
Não dá para afirmar que 2022 não tenha sido bom para o cinema.
No cinema contemporâneo, as fronteiras entre o documentário e o cinema narrativo, de ficção, andam cada vez mais borradas. O longa-metragem dinamarquês Flee – Nenhum Lugar para Chamar de Lar, indicado aos Oscar de melhor filme internacional, animação e documentário, é um exemplo muito potente desse hibridismo. Por isso, mas não apenas por esse motivo, é uma obra tão significativa.
O cineasta Jonas Poher Rasmussen narra a turbulenta jornada de Amin, nome fictício de um refugiado afegão, desde a infância na Cabul dos anos 1980 até a idade adulta em Copenhague, quando ele, agora um doutor, resolve contar a Rasmussen sua verdadeira história.
Essa narrativa, feita em forma de depoimento em flashback ao cineasta, a quem Amin revela toda a sua verdade, é construída como animação, que em momentos mais dramáticos ganha traços sombrios, expressionistas. Ela é intercalada por imagens documentais de época, extraída de filmes e noticiários, uma opção interessante, porque nos situa no tempo e no espaço, e nos lembra que estamos assistindo a uma obra não ficcional.
À medida em que fala das transições da infância para a adolescência e, mais tarde, para a idade adulta, Amin também se abre a respeito da descoberta de sua sexualidade – na infância, ainda em Cabul, ele gostava de colocar o vestido da irmã e nutria uma paixão platônica pelo astro de cinema e artes marciais belga Jean-Claude Van Damme. Embora ele tema se assumir para a família, “porque no Afeganistão parecia não existir homossexuais”, esse relato, por vezes marcado por angústia, também é quase sempre lúdico. Flee é um filme original e arrebatador, por sua pertinência temática e ousadia formal.
Outros destaques para Paulo Camargo em 2022:
- Drive My Car, de Ryusucki Hamaguchi
- Ilusões Perdidas, de Xavier Giannoli
- Marte Um, de Gabriel Martins
- A Pior Pessoa do Mundo, de Joachim Trier
Alejandro Mercado
‘Marte Um’ | Gabriel Martins
O tempo é o senhor da razão, e nada como o distanciamento para ficar claro que há tempos o Brasil não tinha um postulante ao Oscar como Marte Um. Tudo na vida está em disputa, e a obra de Gabriel Martins parece entender bem isso, narrando a trajetória de resiliência de uma família negra tipicamente brasileira.
Marte Um é um olhar otimista, uma celebração deliciosa sobre laços inquebráveis que nos mantêm unidos mesmo diante das situações mais desafiadoras. Deivinho é idealista, sonhador, a essência da ternura que existe em meio à tensão da polarização política, que permeia a vida da família (bem como seu contexto social), mas que não é o que Martins queria olhar.
E essa opção faz toda diferença para os rumos que o filme toma. Em um ano que vencemos o medo e o autoritarismo nas urnas, acompanhar Deivinho e seu sonho de se tornar um astrofísico é torcer pela esperança de uma vida menos fragilizada, em que seja possível viver para além das frestas.
Outros destaques para Alejandro Mercado em 2022:
- O Acontecimento, Audrey Diwan
- Não, Não Olhe!, Jordan Peele
- Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, Daniel Scheinert e Daniel Kwan
- Argentina, 1985, Santiago Mitre
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Para continuar a existir, Escotilha precisa que você assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Se preferir, pode enviar um PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.