Mais recente longa-metragem do cineasta norte-americano Wes Anderson, Asteroid City, que estreia nesta semana nos cinemas brasileiros, não é fácil de apresentar a um potencial espectador que não seja familiarizado com a obra do diretor. É propositalmente cifrado. Ambicioso, é mais um metafilme do que um filme, porque ao mesmo tempo em que discute a intersecção entre as linguagens cinematográfica, televisiva e teatral, é intrigantemente disfuncional: não parece estar nem lá nem cá em termos de forma e conteúdo. E isso não é, necessariamente, um defeito em um primeiro momento.
Situado em 1955, em uma localidade no meio do deserto, onde o céu azul grita artificialidade, o que mais chama a atenção é o fabuloso design de produção (cenografia e direção de arte) de Anderson, uma de suas marcas registradas. A ação principal se passa numa cidadezinha desolada, com pouco mais de um motel, uma lanchonete e uma oficina mecânica. A localidade se chama Asteroid City, porque lá caiu um asteroide anos antes.
A rocha especial, do tamanho de uma bola de vôlei, foi preservada e, embora não seja nada demais, atrai uma reunião anual de jovens estudantes e suas famílias para alguns dias de diversão em um acampamento de ciências. Nesse cartão postal vintage, tipicamente andersoniano, o diretor e roteirista, a partir de uma história sonhada com o colaborador de longa data Roman Coppola (filho do cineasta Francis Ford Coppla), cria um filme que, na verdade, é uma peça teatral (mas, no fundo, é um filme ou programa de TV). Estaria Wes Anderson, mais uma vez, discutindo a artificialidade? É claro que sim!
A ação é enquadrada no contexto de um programa de televisão em preto e branco que está sendo narrado por um apresentador, interpretado por Bryan Cranston (de Breaking Bad). A certa altura, o personagem aparece no set do drama Asteroid City, este em cores, como se tivesse sido transportado para dentro do programa de TV, que leva o mesmo nome do filme ao qual estamos a assistir.
O filme, talvez, seja o autorretrato de um artista que não sabe mais o que quer dizer, ou mesmo como fazê-lo, por já ter esgotado as próprias soluções formais, estéticas, que se impõe ao conteúdo.
Para tornar tudo ainda mais metalinguístico, essa atração televisiva – mais semelhante a uma peça do que com o telefilme que pretende ser – tem como foco o ato da criação da própria obra.
Enquanto isso, assistimos a um escritor (Edward Norton), talvez um alter ego do próprio Anderson que constrói a ação de Asteroid City no que parece ser um cenário. Sim, esse jogo autorreflexivo, intertextual, atinge aqui proporções muito complexas, quase confusas.
Quando uma personagem, a estrela de cinema de Midge Campbell (Scarlett Johansson), pergunta a outro protagonista, o fotógrafo de guerra Augie Steenbeck (Jason Schwartzman) por que ele acabou de queimar a mão em uma chapa que estava usando para cozinhar um sanduíche de queijo grelhado, ele responde que está escrito no roteiro. Mais uma vez, a fronteira entre real e ficção e totalmente borrada.
‘Asteroid City’: trama
A trama principal de Asteroid City diz respeito ao “relacionamento” (não chega a tanto) entre Augie e Midge, que acompanham seus respectivos filhos (vividos, respectivamente, Jake Ryan e Grace Edwards) em sua ida ao tal acampamento de Ciências. Isso acontece durante uma quarentena que o governo norte-americano impôs a Asteroid City depois que uma nave alienígena chega e seu piloto, que parece ser um extraterrestre, rouba o asteroide. Uma subtrama envolve o descarte dos restos mortais da falecida mulher de Augie, os quais ele carrega em um Tupperware.
É quando o sogro de Augie (vivido por Tom Hanks) aparece para ajudar a lidar com as três filhas de Augie, Andrômeda, Pandora e Cassiopeia (vividas pelas trigêmeas Ella, Gracie e Willan Faris). Esse avô, um dos raros personagens desagradáveis na carreira de Tom Hanks, os ajuda a enterrar as cinzas de sua mãe temporariamente – lembrando que eles podem não ter os direitos legais de usar o acampamento espacial como uma sepultura. “Eu questionaria se isso é mesmo um enredo”, diz Augie, em uma fala que soa como se Anderson estivesse questionando o próprio filme.
Refém
Asteroid City, apesar da originalidade e ousadia de sua proposta, é muito melhor como conceito, ideia, do que como filme. São poucos os momentos memoráveis. Em um deles, vários integrantes do elenco de Asteroid City (o filme dentro do filme) aparecem espontaneamente cantando “Dear Alien (Who Art in Heaven)”, escrita por Anderson em parcerias com Jarvis Cocker (da banda Pulp) e interpretada por um grupo que inclui o brasileiro Seu Jorge, que atuou em A Vida Aquática de Steve Zissou. É uma das poucas cenas orgânicas e espontâneas do hiperartifical Asteroid City.
O filme, talvez, seja o autorretrato de um artista que não sabe mais o que quer dizer, ou mesmo como fazê-lo, por já ter esgotado as próprias soluções formais, estéticas, que se impõem ao conteúdo: “Não sei mais dizer o que quero dizer” é uma das falas que mais ressoa ao fim do filme.
Visualmente impactante, inventivo, como toda a obra de Wes Anderson, Asteroid City é repleto de “sacadas” de roteiro, mas suas preocupações formais sufocam sua alma, e o filme parece ser refém de suas ambições. Está tudo conectado, mas não funciona, não sai do lugar, como o carro de Augie e seus filhos, preso no deserto.
Pelo menos para mim, a sensação é de fastio.
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