Quando, no início de 2019, a sede da major Universal no Brasil anunciou que o longa-metragem Boy Erased – Uma Verdade Anulada não seria mais lançado nos cinemas do país, houve uma gritaria. Baseado no livro autobiográfico Boy Erased: A Memoir, de Garrard Conley, o filme tem como protagonista Jared Eamons (o ótimo Lucas Hedges, de Manchester à Beira-Mar), jovem homossexual norte-americano, filho de um pastor evangélico, que ao se assumir gay para os pais, vividos no filme por Russell Crowe e Nicole Kidman, é enviado a um centro de “cura gay”,
Em um primeiro momento, a decisão de não lançar a produção – indicada a dois Globo de Ouro, melhor ator em filme dramático (Hedges) e canção original (“Revelation”), depois de percorrer vários festivais, entre eles o de Toronto – parecia estar relacionada a sua temática polêmica. Apesar de já ter chegado às telas em países ultraconservadores, como Índia e Rússia, não havia lugar no circuito no país presidido por Jair Bolsonaro.
A Universal negou essa possibilidade, alegando ter sido um opção mercadológica: como o filme não tinha emplacado qualquer indicação ao Oscar e não havia ido tão bem de bilheteria nos Estados Unidos, foi retirado do calendário de lançamentos e acabou ganhando versão em DVD e já está em plataformas de streaming, como o NOW. Pode ter sido isso mesmo. Ou não.
É uma pena que uma obra tão pertinente e necessária como Boy Erased – Uma Verdade Anulada não tenha chegado às salas de exibição e, assim, atingido um público maior. O também ator Joel Edgerton (de O Grande Gatsby), que vive o papel do profissional responsável pelo tratamento de “cura”, dirige o filme com elegância e calculada economia. É evidente seu empenho de desviar do melodrama. Hedges constrói Jared, alter ego de Garrard Conley, sem exageros: ele é o retrato da contenção, possivelmente por conta do conflito interno que enfrenta e o corrói.
Narrado de forma não linear, com idas e vindas no tempo, Boy Erased é construído sem pressa, e esse é um de seus grandes méritos.
Jared sabe quem é. Ao sair de casa para iniciar seus estudos na universidade, ele rompe com a namorada. Está disposto a iniciar uma nova vida, mas um ato de violência sofrido no dormitório estudantil precipita seu confronto com a realidade.
A sua sexualidade é revelada a seus pais de forma traumática. O pai, um homem afetuoso, porém muito rigoroso em seus valores, só enxerga uma solução: submeter o filho a um tratamento na tentativa de “salvá-lo”. Um precipício de dor se abre.
Narrado de forma não linear, com idas e vindas no tempo, Boy Erased é construído sem pressa, e esse é um de seus grandes méritos. A perplexidade, o sofrimento, de Jared se tornam muito palpáveis. Assim como a dor de todos os outros jovens submetidos à clínica, onde a masculinidade é algo a ser aprendido na marra e performaticamente.
Seu lema é “Fake it until you make it“, “Finja até conseguir”. Revoltante! Preste atenção: um dos “pacientes”, o irreverente e atormentado Jon, é vivido pelo também cineasta canadense Xavier Dolan (de Mommy).
Com ótimas atuações de Hedges, Kidman, Crowe e Edgerton, Boy Erased – Uma Verdade Anulada é um daqueles filmes a serem vistos com muita atenção. A dura realidade que retrata pode estar mais próxima do que se imagina. Fique atento.
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