Para compreender o contexto de O Cheiro da Gente, novo longa-metragem de Larry Clark, que estreou nesta quinta-feira nos cinemas brasileiros, é necessário olhar com atenção para sua filmografia. Isso não significa dizer que você obrigatoriamente deverá ter visto suas obras realizadas nos 20 anos de carreira, mas faz bastante diferença.
Larry Clark tem um histórico de vida cheio de situações chocantes. Tudo tem início ainda na década de 1970, com o lançamento de Tulsa, um livro autobiográfico de fotografias sobre o tempo em que o diretor viveu na cidade norte-americana. O livro é a visão de um jovem sobre uma geração que vivia uma ressaca pós-Vietnã, a sensação do forte declínio após os frutíferos “anos dourados”, que não tinha perspectivas promissoras de futuro.
Clark levou essa visão pessimista da adolescência norte-americana, uma geração libertina e perdida em seus objetivos, para o cinema. Kids, seu já clássico filme de 1995, jogava no público de forma chocante um realismo sem limites sobre a adolescência e tudo que gira em torno dessa fase da vida. Depois da retração da economia norte-americana nos anos 80, e da Guerra do Golfo no início dos anos 90, aquela representação, por mais pessimista que fosse, lembrava muito o que havia feito com Tulsa.
Acontece que Clark não parou por aí. Bully (2001) e Ken Park (2002) também trilharam o mesmo caminho. Desta forma, seu trabalho passou a ser contestado pela crítica. A verdade é que o sexo e a violência eram abordados com naturalidade em suas obras, uma opção estética do diretor. E, se valendo da licença poética do cinema, seu olhar com distanciamento dessa juventude e suas atitudes, aparentemente inconsequentes, não significava que o diretor era partidário delas, ou mesmo que concordasse.
Seu olhar com distanciamento dessa juventude e suas atitudes, aparentemente inconsequentes, não significava que o diretor era partidário delas, ou mesmo que concordasse.
Mas nos últimos 10 anos, Clark mudou um pouco sua forma de fazer cinema, aparentando um certo amadurecimento ao abordar seus filmes sob um viés menos provocativo. Entretanto, é aqui que entra O Cheiro da Gente, primeiro longa francês de Clark. O filme fala de um grupo de jovens skatistas franceses de classe média alta que, para comprarem drogas, roupas e equipamentos eletrônicos, se prostituem. Novamente a temática e sua forma de trabalho pesam a mão em uma representação chocante sobre um recorte da vida. Aparentando pouco domínio sobre as características da sociedade francesa, Clark sustenta seu O Cheiro da Gente em pequenas informações, como a reputação dos jovens franceses sobre sua precocidade sexual.
Clark constrói seus personagens em cima de uma cultura consumista, para a qual valores morais e éticos são secundários quando o assunto é a satisfação de seus prazeres e desejos, especialmente os materiais e corporais. Talvez por isso, nenhum deles pareça realmente possuir uma essência. São apenas jovens caminhando pela tela, sem alma, expondo seus corpos, fazendo sexo, cedendo a fetiches e tirando selfies a todo instante. E, curiosamente, é esse olhar para o “eu” que marca o ápice do filme, porém de forma, mais uma vez, chocante e sem sentido.
Difícil compreender o que quer o diretor com o filme. Se for um resgate sobre o início de sua filmografia, Larry Clark erra na medida. Se for apenas chocar, Larry Clark erra muito na medida. Se não for nada disso, bem, ele definitivamente não teve medida alguma.
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