A grande beleza de Cinema Paradiso, clássico de Giuseppe Tornatore que neste ano completa 30 anos, está no seu arrebatamento quase despudorado. É uma obra feita, literalmente, de lágrimas, que vertem tanto na trama quanto na plateia em perfeita sintonia, num espetáculo tão catártico quanto nada sutil, na melhor tradição do melodrama italiano, sentimental e irresistível para quem se permite a emoção plena, à flor da pele.
O protagonista, Salvatore (Jacques Perrin, na idade adulta), ou Toto, é uma espécie de alter ego de Tornatore. Embora Cinema Paradiso não seja autobiográfico, há muito do cineasta no personagem, a começar pela origem siciliana. Diretor consagrado e solitário, ele vive em Roma, e há anos não retorna a sua terra natal, da qual partiu ainda na juventude (quando é vivido por Marco Leonardi). Até receber uma ligação de sua mãe, dando-lhe uma triste notícia, que o traz de volta à Sicília, e a seu passado.
Esse regresso nos leva a sua infância, quando Toto (vivido pelo adorável ator-mirim Salvatore Cascio) vive numa espécie de limbo: o pai partiu durante a Segunda Guerra Mundial e teria desaparecido em combate. Ninguém sabe se está vivo ou morto. A mãe recusa-se a aceitar a ideia de que o marido não voltará mais. Cabe-lhes esperar e Toto acaba encontrando um substituto da figura paterna em Alfredo (Philippe Noiret), projecionista no cinema da cidadezinha onde residem.
Da cabine de projeção do velho Cinema Paradiso, onde Alfredo trabalha, Toto vai aos poucos se apaixonando pela sétima arte, descobrindo seus mistérios e ganhando repertório. Para ele, os filmes se tornam ao mesmo tempo um refúgio e uma escola, onde aprende sobre a vida. Vê westerns, romances, policiais, aventuras, suspenses, comédias. O mundo se revela diante dos olhos do menino por meio de imagens que lhe são apresentadas por Alfredo, misto de amigo, mentor e pai. Um guia, enfim, que lhe conduz até a idade adulta.
O protagonista, Toto (Jacques Perrin, na idade adulta), é uma espécie de alter ego de Tornatore.
Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro e do Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, Cinema Paradiso é uma homenagem à magia do cinema, ganha pão de Alfredo que se torna não apenas refúgio, mas a essência da vida de Toto, que durante a adolescência vive uma história de amor impossível, digna dos mais lacrimejantes melodramas, que moldará sua vida emocional. O filme também fala sobre a importância da sétima arte no cotidiano da sua pequena comunidade na Sicília, onde a sala de exibição por décadas foi o principal espaço de sociabilidade até fechar as portas, nos anos 1980.
Em seu retorno, que é um ajuste de contas com o passado, Toto vê-se diante de memórias tão belas quanto dolorosas. É um reencontro amargo, porém redentor. Há nessa volta uma das sequências mais lindas do filme, quando o personagem assiste a um rolo de cenas de beijos, cortadas décadas atrás pelo pároco local, e mais tarde editadas por Alfredo como herança para seu antigo ajudante e pupilo. A emoção de Salvatore diante dessas imagens “roubadas” é a nossa. É o cinema em todo seu esplendor, ao som da deslumbrante trilha sonora de Ennio Morriconne.
Há uma versão ampliada, exibida pela televisão italiana como minissérie e também lançada em DVD, na qual muitas questões deixadas em aberto pela montagem original são respondidas, como o desaparecimento do grande amor da vida do protagonista. Essas respostas, contudo, não fazem Cinema Paradiso melhor, ou mais impactante. Seria impossível. Em seus excessos sentimentais, é um dos filmes mais belos já feitos.
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