Tão longe, tão perto. Embora sua trama se passe em Mumbai, na Índia, A Costureira dos Sonhos, segundo longa-metragem da cineasta Rohena Gera, traça um retrato das complexas relações sociais em seu país que, descontadas as diferenças culturais, resultam bem mais familiares do que sugerem.
Exibido em 2018 na Semana da Crítica, mostra paralela do Festival de Cannes, do qual saiu com o prêmio da Fundação Gan, destinado à sua distribuição internacional, o filme não aposta no exotismo, e sim na universalidade da tocante história que conta.
A trama tem como protagonista Ratna (Tillotama Shome, ótima), uma jovem que após ter perdido o marido com poucas semanas de casamento, se muda do vilarejo longínquo onde mora para Mumbai, uma grande metrópole. Lá, ela consegue uma posição como empregada doméstica no apartamento de um casal supostamente recém-casado.
Ao chegar ao trabalho, após uma visita a sua família, ela encontra apenas o patrão, Ashwin (Vivek Gomber). Ele está só e desolado: deixou a noiva no altar após descobrir um suposto ato de infidelidade.
Apesar de pertencerem a castas e, portanto, classes sociais muito distantes, Ratna e Ashwin acabam, pouco a pouco, desenvolvendo uma relação de proximidade, afinal têm muito em comum. Ambos são vítimas, cada um a sua maneira, de regimes de opressão impostos pelos valores ultraconservadores e tradicionais da sociedade indiana.
Por ser viúva, ainda que tão jovem, Ratna é considerada quase uma “morta-viva”: não poderá se casar novamente e tem de ajudar a sustentar seus sogros. Também contribui para a educação da irmã mais jovem, para ela tenha um futuro melhor do que o seu.
Um pouco como o brasileiro Que Horas Você Volta? (2015), premiado filme de Anna Muylaert, A Costureira dos Sonhos discute estratificação social e barreiras visíveis e invisíveis que separam patrões e empregados.
Ashwin, embora de família rica, tem pouca ou nenhuma liberdade para fazer suas escolhas. Após a morte do único irmão homem, teve de retornar dos Estados Unidos, onde vivia, para a Índia, e assumir, a contragosto, uma posição de comando na empresa construtora do pai. Espera-se dele um casamento sólido, filhos e a continuidade do seu status quo, um lugar social de privilégios e obrigações.
Rohena Gera conduz a narrativa de A Costureira dos Sonhos com muita delicadeza e sensibilidade. Enquanto que da porta do apartamento para fora, há um verdadeiro abismo entre os mundos de Ratna e Ashwin, dentro dele, aos poucos se desenha um território de harmonia e proximidade. Nada mais subversivo do que o afeto que ousa desafiar barreiras.
Depois de ter vivido fora do pais, ele recusa-se a vê-la apenas como serviçal. É um humanista e enxerga para além das diferenças que os separam. Ratna, por sua vez, é, como ele mesmo diz, “audaciosa”, e sonha com uma vida melhor. Quer tornar-se costureira e, talvez um dia, designer de moda. A costura, para ela, é uma forma de reconfigurar o mundo, alterar o seu destino.
Um pouco como o brasileiro Que Horas Ela Volta? (2015), premiado filme de Anna Muylaert, A Costureira dos Sonhos discute estratificação social e barreiras visíveis e invisíveis que separam patrões e empregados, pobres e ricos. Brasil e Índia se assemelham. Ainda que distantes e distintos em suas peculiaridades, se mostram muito parecidos em vários aspectos. A arte se encarrega de construir uma ponte que nos traz Ratna para bem perto.
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