O filme do diretor sueco Ruben Östlund, Força Maior (2014), apresenta uma cena que pode tranquilamente ser considerada muito simples. No entanto, o que ela tem de simples, tem também de importante. É porque, a partir dela, todo o filme será estruturado. É a partir dessa cena que todo o roteiro se justifica e a trama mostra a que veio.
A história enfoca o casal Tomas (Johannes Kuhnke) e Ebba (Lisa Loven Kongsli). Eles visitam uma estação de esqui com os dois filhos. Enquanto almoçam, uma avalanche vem em direção às pessoas que estão em primeiro plano. Ao fundo da cena do restaurante, toneladas de gelo deslocam-se em direção aos personagens. Essa é a cena simultaneamente simples e importante descrita no início deste texto.
O incidente acaba revelando-se apenas um grande susto. Não há vítimas. Ou quase. Algo ficará profundamente marcado para a esposa Ebba: em meio ao perigo, ela vê o marido fugir e deixá-la para trás com os filhos. Instinto de sobrevivência? Covardia? Desleixo? Egoísmo? Independente da resposta, o que se vê é o início de uma espiral de constrangimento e mágoa que só tende a crescer.
Literal e metafórica, a massa gélida em direção às pessoas no restaurante desencadeia não apenas uma crise entre Tomas, Ebba e filhos. Ela abre margem para visualizar uma ‘avalanche’ sobre a própria figura do homem enquanto pai, protetor, patriarca, base sobre a qual a família se sustentaria.
O gesto do marido pode ser considerado extremamente banal em uma avaliação mais rasa. No entanto, para a esposa, não é o que acontece. Essa espiral de constrangimento e mágoa ganha proporções tão significativas que acaba por atingir a todos, dos filhos aos demais personagens. Como se não bastasse, ela ultrapassa os limites da tela. Para o espectador, é difícil não se deixar levar pelo incômodo que o incidente provoca no relacionamento do casal.
Literal e metafórica, a massa gélida em direção às pessoas no restaurante desencadeia não apenas uma crise entre Tomas, Ebba e filhos. Ela abre margem para visualizar uma “avalanche” sobre a própria figura do homem enquanto pai, protetor, patriarca, base sobre a qual a família se sustentaria.
O filme flui bastante coerente com sua proposta de expor a decadência de um relacionamento e da imagem masculina como centro da estrutura familiar. Dessa forma, o singular atinge o universal: de uma situação bem específica, localizada, aparentemente minúscula e sem muita relevância nasce a oportunidade para interpretações bem maiores, abrangentes e importantes.
No mínimo, o que o trabalho de Ruben Östlund quer mostrar é a natureza humana livre do rótulo de gêneros, uma vez que homem também pode chorar, tem suas fraquezas, não é infalível e pode receber o abraço de uma família aninhada como animais acuados diante de um perigo extremo ou do frio. Bonito, singelo e digno de atenção.
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