Foram indicados dez longas-metragens ao Oscar 2022 na categoria de melhor filme. Entre os títulos que disputam o prêmio, há desde a superprodução Duna, ficção científica assinada pelo cineasta franco canadense Denis Villeneuve, até o drama intimista japonês Drive My Car, assinado por Ryûsuke Hamaguchi, também no páreo de melhor direção.
Há, também, o musical Amor, Sublime Amor, remake do clássico de 1961, assinado por Steven Spielberg, e o western subversivo Ataque dos Cães, da neozelandesa Jane Campion, apontado como o grande favorito da festa, marcada para 22 de março.
Apesar de toda essa diversidade entre os indicados a melhor filme, muitos sentiram falta de um representante do chamado “cinema de entretenimento”, de um blockbuster. Chegaram a apostar que estaria entre os concorrentes Homem Aranha: Sem Volta para Casa, de John Watts, gigantesco sucesso de bilheteria e também muito bem recebido pela crítica, que acabou citado em uma única, e previsível, categoria: Melhores Efeitos Visuais. A exclusão da produção foi creditada a um suposto preconceito contra filmes de super-herói.
Talvez o único longa-metragem realmente popular entre os dez títulos que brigam pela estatueta de melhor filme seja Não Olhe para Cima, lançado no fim do ano passado pelo canal de streaming Netflix com imensa repercussão planetária. Muitos estimam que, caso tivesse estreado nas salas de cinema, teria superado a bilheteria de Duna, maior êxito comercial entre os concorrentes, com um pouco mais de US$ 400 milhões acumulados ao redor do mundo, o suficiente para ter sua sequência já confirmada pelos produtores.
Mas voltemos a Não Olhe para Cima. Será que a despeito de ter sido o filme-evento da virada de 2022, o longa de Adam McKay merecia estar no páreo? Sim e não. A produção começa como um filme de meteorito prestes a se chocar com a Terra, aos moldes de Impacto Profundo (1998) ou Armaggedon, lançado naquele mesmo ano. Aos poucos, entretanto, o filme revela ser mais do que uma ficção científica do subgênero catástrofe.
Em Não Olhe para Cima, bem menos sutil e mais literal que seus filmes anteriores, McKay estende sua acidez para a mídia (não o jornalismo sério, de verdade!), que submete a ciência à necessidade de gerar cliques e pontos de audiência.
Logo depois que a descoberta do meteorito acontece numa universidade do estado de Michigan, centro-oeste dos Estados Unidos, a narrativa assume outra pegada. Os cientistas Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e a doutoranda Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) são levados à Casa Branca, em Washington. O que se segue é uma tragicomédia de erros.
Em vez de serem recebidos pela presidente Orlean (Meryl Streep), uma espécie de versão feminina de Donald Trump, Mindy e Kate levam inacreditáveis sete horas para serem recebidos. A razão? O “jurista” indicado por Orlean para a Suprema Corte, o STF dos EUA, corre o risco de ser barrado pelo Congresso devido às intermináveis falcatruas que cometeu ao longo da vida.
A Casa Branca, em clara referência ao mandato republicano de Trump, é retratada como um circo entre o horror e o burlesco. Em campanha para as eleições legislativas, a presidente só tem na cabeça a vitória republicana nas urnas e não vê o meteorito como uma urgência, embora os dias do planeta estejam contados.
Como nem mesmo a Nasa é liderada por alguém com competência técnica – a diretora-geral é uma anestesiologista, doadora do Partido Republicano, e nada sabe sobre o espaço sideral –, a opção mais conveniente para enfrentar a iminente tragédia é a negação. Impossível não pensar em como o governo brasileiro enfrentou a pandemia ao longo de 2020.
É importante lembrar aqui que Adam McKay é diretor de A Grande Aposta (2015), sobre a crise financeira mundial de 2008, pelo qual recebeu o Oscar de melhor roteiro original, e Vice (2018), cinebiografia do vice-presidente Dick Cheney. Ambos os longas foram indicados a melhor filme e atestam como McKay é um crítico bastante ácido dos Estados Unidos, seus usos e costumes políticos e econômicos, neste século 21.
Em Não Olhe para Cima, bem menos sutil e mais literal que seus filmes anteriores, McKay estende sua acidez para a mídia (não o jornalismo sério, de verdade!), que submete a ciência à necessidade de gerar cliques e pontos de audiência. Essa face horrível dos meios de comunicação é encarnada pela âncora de televisão Brie Avantee (Cate Blachett), uma arrivista sem escrúpulos que acaba seduzindo o personagem de DiCaprio, um homem de família com baixa autoestima que dedicou toda a vida à academia.
Quando o governo se dá conta da gravidade da situação, é para usá-la em seu próprio benefício, com o auxílio da mídia, transformando uma missão destinada a destruir o meteorito em um grande espetáculo nacionalista e patriótico, com direito a bandeiras, hino e herói nacional, um professor de ginástica vivido por Ron Pearlman.
Fazendo lembrar Doutor Fantástico (1964), clássico de Stanley Kubrick, porém bem menos inventivo estética e dramaticamente, Não Olhe Para Cima, que também disputa o Oscar de melhor roteiro original, edição e trilha sonora, é um filme pertinente e se beneficia enormemente do momento em que foi lançado, em plena pandemia, com a chegada da variante Omicron. Não há como ficar indiferente à paródia que faz de governos populistas e autoritários. Porém, como cinema, corre o risco de ficar datado muito rápido, justamente porque pede pouco do espectador. Duvido que, a exemplo do filme Kubrick, possa intrigar plateias daqui a 50 anos.
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