O longa-metragem Nintendo e Eu, filme do premiado diretor filipino Raya Martin (listado pela revista CinemaScope como um dos 50 cineastas com menos de 50 anos mais relevantes do mundo), parte de uma fórmula já bastante explorada no cinema: o de retratar o processo de crescimento de crianças que se tornam adolescentes e precisam enfrentar as durezas da chegada da maturidade.
O que torna a obra de Martin especial é o contexto: o filme acompanha quatro jovens que estão crescendo, na virada dos anos 80 para os 90, nas Filipinas fortemente influenciada pela cultura pop americana que vicejava e se espalhava pelo mundo. Ainda que os garotos joguem Nintendo (eles aparecem curtindo os jogos do Mario e The Legend of Zelda), eles amam tênis Nike e cultuam os heróis do basquete americano. Mas isso não impede que os elementos da cultura filipina estejam fortemente presentes em suas vidas.
Ainda que Nintendo e Eu crie uma atmosfera tocante bastante típica de filmes desse estilo, o filme de Raya Martin trabalha mais no âmbito do humor.
O personagem principal é Paolo (Noel Comia Jr.), um menino rico que é criado pela mãe, super católica, e pela babá. Ele tem todos os objetos de luxo que deseja, mas precisa obedecer às regras rígidas da casa – que ditam, por exemplo, que Paolo precisa ir à missa sempre e respeitar os valores morais da mãe. Ele é amigo dos irmãos Gilligan (Jiggerfelip Sementilla) e Mimaw (Kim Oquendo), crianças de classe média cujo pai fugiu para a América para ficar com a amante.
Soma-se a esse pequeno grupo Kachi (John Vincent Servilla), o único pobre entre os amigos, cuja mãe subentende-se ser uma prostituta, e que tem como maior medo que os filhos engravidem alguém. Todos eles estão juntos achando maneiras de atravessar um verão sufocante passado ao pé do vulcão Pinatubo, que eventualmente entra em erupção e faz com as casas tremam e a energia caia no local.
Trata-se ainda de uma realidade de crianças sem pais, independente da classe social. Com a figura paterna ausente, os três meninos (a única menina do grupo é Mimaw) tentam descobrir sozinhos as formas – algumas delas, um tanto atrapalhadas – pelas quais podem finalmente se tornar homens.
Neste verão escaldante, eles estão descobrindo a amizade, a rivalidade com outros meninos e o universo da sexualidade. As maneiras pelas quais o sexo passa a habitar suas vidas vão do sagrado ao profano. Em certo momento, eles estão fazendo competições de masturbação (e depois grudando suas cuecas meladas na parede, deixando claro que seguem ainda crianças) e, noutro, estão indo atrás de um curandeiro que possa circuncidá-los (há uma crença de que o pênis se torne “adulto” depois disso).
Os dramas do crescimento
Ainda que Nintendo e Eu crie uma atmosfera tocante bastante típica de filmes desse estilo (e uma referência clara aqui é Conta Comigo, clássico de 1986 dirigido por Rob Reiner), o filme de Raya Martin trabalha mais no âmbito do humor.
Há muitas cenas engraçadas, e que nos alcançam, mesmo que haja uma óbvia distância cultural por ser uma história filipina. Isso se dá por conta do roteiro afiado (de autoria de Valerie Castillo Martinez, que trouxe para o filme suas próprias experiências de infância), mas também em razão de um elenco bem escolhido, em que todos os jovens atores se saem muito bem em seus papeis.
Paolo e seus amigos conseguem nos entregar uma performance muito comovente, em que transparecem as dores e as alegrias desses adolescentes que passam por aquilo que todos nós passamos em algum momento da vida. Há as decepções de um amor não correspondido, a curiosidade pelos mistérios do sobrenatural e a culpa toda vez que se trai a confiança de uma mãe (embora se saiba que isso faz parte do processo de crescer).
Tudo isso é ainda perpassado pela perspectiva da Nintendo, ou seja, pelo videogame que era como que onipresente na vida das crianças da década de 1990. Lançado no Brasil como “Nintendo e Eu”, o título original – Death of Nintendo – talvez faça mais jus ao que ele nos mostra: aquilo que vai surgindo aos poucos com a chegada do entardecer da infância e o nascimento de uma nova vida. Nem melhor, nem pior, apenas a vida.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.