O cineasta Ari Folman teve muita coragem ao escolher para o seu terceiro longa-metragem, a animação Valsa com Bashir (2008), um tema tão pessoal: a Guerra do Líbano de 1982. Ex-soldado do Exército israelense, o diretor foi instigado a desenterrar suas memórias do sangrento embate por um companheiro de tropa que o procurou para uma conversa, em 2006. O homem queria falar a respeito de um pesadelo recorrente envolvendo o conflito, sugerindo que Folman o abordasse em seu próximo filme.
O filme acabou se tornando, para seu diretor, um processo psicanalítico. Como não tinha memórias claras sobre o que ocorreu em Beirute há 26 anos, Folman recorreu a seus ex-companheiros como forma de, aos poucos, reconstituir suas lembranças como quem monta um quebra-cabeças. Esse processo, que ocorreu na vida real, é o seu mote central. A produção tem vários pontos em comum com o também autobiográfico Persépolis, filme de animação da quadrinista e cineasta iraniana Marjane Satrapi. Mas é superior.
Quem assiste a Valsa com Bashir, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, segue Folman numa jornada tão pessoal quanto infernal. Aos poucos vêm à tona imagens sinistras e o mais perturbador: a constatação de que o sentimento de culpa fez o cineasta, que tinha 19 anos quando serviu o Exército, trancasse suas memórios no inconsciente.
Belíssimo do ponto de vista visual e perturbador enquanto obra de arte, Valsa com Bashir não é um filme fácil de ser assistido ou digerido. Torna-se mais pesado à medida em que se aprofunda e os detalhes da guerra vêm à tona.
Quem assiste a Valsa com Bashir, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, segue Folman numa jornada tão pessoal quanto infernal.
Em setembro de 1982, um dia após o assassinato do recém-eleito presidente libanês Bashir Gemayel, a milícia cristã que o apoiava invadiu Sabra e Chatila, campos de refugiados palestinos nos arredores de Beirute, em busca de vingança. A invasão foi seguida de extermínio e destruição, babárie a que o exército de Israel, que vigiava a área, assistiu passivamente. No comando do Ministério da Defesa estava o ex-premier Ariel Sharon.
Corajoso, Folman demonstra lucidez ao igualar o massacre dos palestinos ao de seu próprio povo, descrevendo e mostrando o ocorrido, que pode ter deixado cerca de 3,5 mil mortos. Fez um filme importantíssimo.
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