Criado em 2010, o Cinemarden é hoje um dos maiores acervos de resenhas cinematográficas disponível no Brasil. Nele, na data de 17 de maio de 2024, é possível ler 5.000 textos produzidos pelo jornalista Marden Machado, um piauiense radicado em Curitiba e que configura, hoje, um dos grandes fomentadores da cultura paranaense.
O jovem Marden, que se encantou por cinema ainda criança, quando era levado pelo pai para ver desenhos da Disney e do estúdio Hanna-Barbera, é hoje um jornalista aposentado do TRE/PR que a segue a rotina de ver filmes todos os dias para postar seus comentários para o seu público, que o acompanha tanto no site, quanto nos vídeos que compartilha.
Mais do que isso, sua trajetória com o cinema é uma história coletiva de amor à cultura. Nesta breve reportagem com ares de crônica, compartilhamos um pouco da vida de um cinéfilo reconhecido por sua memória prodigiosa, seu olhar aguçado e, sobretudo, por sua generosidade em compartilhar aquilo que sabe.
O surgimento do Cinemarden
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A ideia do site ocorreu a Marden Machado por volta de 2006, quando já estava comentando sobre cinema há três anos em duas rádios de Curitiba (a 96 Rock e a CBN). “Os ouvintes me escreviam pedindo dicas sobre o que ver nos cinemas e o que alugar nas locadoras de vídeo. O Cinemarden surgiu dessa demanda”, contou.
Quando foi criar o blog na plataforma Blogspot, a ideia inicial era nomeá-lo como “Cinema com Marden Machado”. Ao preencher seu perfil no servidor, teve uma sacada: “Cinemarden Machado”, que logo se tornou apenas “Cinemarden”. Fez tudo sozinho e lançou o site em 9 de setembro de 2010. “Três anos e meio depois, quando o canal no YouTube foi criado, o formato de blog se revelou pequeno e limitado e isso fez com que contratasse um profissional para desenvolver o visual do site e um servidor para hospedá-lo. E tem sido assim desde então”, comenta Marden.
A data de 9 de setembro não foi escolhida por acaso: é o aniversário do seu irmão Douglas. “Ele sempre foi meu primeiro leitor desde quando eu comecei a escrever meus primeiros textos sobre cinema ainda na adolescência. Foi uma forma que encontrei de homenageá-lo”, compartilha. Douglas Machado, vale dizer, é cineasta, e assina filmes como A Carta de Esperança Garcia e Cipriano e a Morte de Cipriano.
Desde então, Marden publica no seu site a coluna “Filme do Dia”, em que posta uma resenha diariamente. “Nunca falhei um dia sequer”, orgulha-se. Nestes 14 anos, são várias amizades com leitoras e leitores que se tornaram amigas e amigos do jornalista. Além dessa coleção de amizades, o site rendeu outros frutos, como os cinco livros que têm publicado sobre o tema.
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Dentre esses amigos, estão outros profissionais de comunicação, como a psicóloga e radialista Maria Rafart. Marden foi colunista fixo de cinema do seu programa, na rádio Transamérica Light, durante 18 anos. Maria orgulha-se de um feito: foi ela que sugeriu que o crítico de cinema colocasse uma contagem de filmes no seu site. “Achei que seria uma espécie de alegoria sobre aquilo que é o Marden: alguém sempre comprometido. O contador acabou adotado e está até hoje no site”, explica.
O adjetivo “comprometido” não é escolhido por acaso. Maria Rafart, assim como outras fontes consultadas, destaca a memória impressionante de Marden Machado, mas também a sua obstinação em dar continuidade àquilo com que se compromete. “Quando ele disse ‘eu vou fazer um comentário de cinema por dia’, eu imediatamente soube que ia se ater a esse compromisso”, pontua.
Membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACINE) desde 2022, e da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais (ABC) desde 2021, Marden é reconhecido pelos colegas por conta de seu estilo de crítica. É o que dizem Paulo Camargo (jornalista, crítico de cinema e um dos fundadores da Escotilha) e Paulo Biscaia (diretor de teatro, cineasta e professor da Embap-PR). “O estilo de crítica do Marden é, para mim, o mais correto de todos. Ele olha para as intenções do filme e se são bem-sucedidas. Não importa que intenções sejam essas. Ele sempre procura dialogar com o filme e jamais se coloca em um lugar de um crítico arrogante”, afirma Biscaia.
Camargo acrescenta o fato de que Marden olha para os filmes “sem qualquer tipo de preconceito”. “Se você observar os textos dele, vai encontrar resenhas de filmes comerciais, brasileiros, europeus, filmes de arte, de maior dificuldade de acesso. Ele não tem um olhar que discrimina, mas analisa cada filme pelo que ele significa, de forma generosa e analítica”, explica.
Jornalista e crítico de cinema, Luiz Gustavo Vilela dividiu a bancada de comentaristas com Marden no programa de Maria Rafart. Ele reforça o argumento dos colegas. “Além de ser um crítico e programador exemplar, desses como não se produzem mais, sem torcer o nariz para o popular, sem medo de encarar o hermético e, principalmente, com devoção saudável aos clássicos, o Marden é antes de tudo um gentil. Gentil com os filmes (alguns muitos talvez não mereçam) e, especialmente, gentil com os colegas. Eu sei que não estaria aqui onde estou (seja lá onde isso for) sem o Marden incentivando, convidando para eventos e, especialmente, doando seus DVDs para mim”.
Uma vida dedicada ao cinema
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Marden Machado é reconhecido como um grande fomentador da cultura no Paraná, cidade onde vive com a família desde 1992.
De fato, como Marden lembra, o envolvimento com o cinema veio de casa, pelas mãos do pai. Mas talvez nem o progenitor soubesse o impacto que os passeios de domingo teriam no filho. “O filme com atores que eu tenho a memória mais antiga de ter saído maravilhado da exibição foi O Fantástico Doutor Dolittle, musical dirigido em 1967 por Richard Fleischer, com Rex Harrison no papel-título. Vê-lo conversar com os animais e viajar em um barco em forma de caramujo me deixou fascinado”, recorda o crítico.
Essa relação com o cinema é tão forte que rememora até o começo do relacionamento com a esposa, Marília, com quem está casado há 40 anos. Ela recorda que o primeiro encontro dos dois foi justamente no Cine Royal, em Teresina, onde moravam. “Cheguei no horário, ele já estava lá. Aflito, perguntei se estava tudo bem. Ele disse que sim, mas estava me aguardando pra entrarmos na sala porque queria ver os anúncios dos outros filmes”, revela, aos risos.
E o filme que embalou o casal não foi um romance, mas um terror slasher chamado Horário de Visitas, dirigido por Jean-Claude Lord, em 1982. Marília conta que o futuro namorado havia falado que o filme era muito importante para ele. “Eu perguntei: ‘até às letrinhas que aparecem no final?’, e ele disse: ‘também, a ficha técnica é essencial, saber quem fez o filme, o pessoal do som, do visual…'”.
Marden já sinalizava ali que o cinema estaria sempre entre a família. Perguntada se o marido assiste a filmes todos os dias, Marília, jocosa, responde: “macaco come banana todos os dias?”. Depois esclarece que, por conta de seu mestrado na Universidade Tuiuti, onde cursa Comunicação e Linguagens, sua rotina está mais contida: vê entre um a dois filmes diariamente.
O fomento à cultura paranaense
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A atuação de Marden Machado, contudo, vai muito além de compartilhar suas visões sobre os filmes que assiste. Ele é reconhecido como um grande fomentador da cultura no Paraná, onde vive com a família desde 1992. Entre as láureas já recebidas estão diplomas pela sua contribuição à cultura de Curitiba pela Câmara Municipal e pela Assembleia Legislativa, além da Comenda da Ordem da Luz dos Pinhais, recebida da Prefeitura em sessão solene.
Seus pares dentro da produção cultural comentam do seu impacto para a difusão do cinema em Curitiba – onde atua, também, desde 2017, como curador do Cine Passeio, um dos poucos cinemas de rua do país. Paulo Biscaia esteve ao lado de Marden como comentarista no programa de Maria Rafart. Assim como a radialista, ele expressa sua admiração sobre os talentos do amigo. “O Marden é um cara impressionante. Não só tem uma memória fotográfica para detalhes de tudo quanto é filme da história do cinema, como também é um homem de comunicação capaz de fazer críticas sempre pontuais, elegantes e acessíveis a públicos variados. Com esta combinação ele virou esse piá-piauense referência afetuosa para cinema por estas bandas e além”.
Paulo Camargo pontua que Marden tem muita relevância para o estado por sua “insistência e persistência em produzir reflexão sobre cinema ao longo do tanto tempo. Nos anos 1990, ele já estava em ação, escrevendo para diferentes veículos”. O jornalista também aponta como um aspecto muito relevante da atuação de Marden para o Paraná quando ele assume, ao lado de Marcos Jorge, a curadoria do Cine Passeio, que trouxe de volta a tradição do cinema de rua para Curitiba.
“O cinema deu a chance aos cinéfilos da cidade de ter contato com filmografias muito ecléticas. O Cine Passeio exibe todos os tipos de filmes – hollywoodianos, independentes e é a maior vitrine do cinema brasileiro aqui. Tem uma importância fortíssima para o acesso ao cinema na cidade. E esse é o Marden: o cara que não falha, que está sempre ali, mesmo quando está fora, visitando os filhos”, pontua Camargo.
Cinema em família
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“Um amigo gosta de dizer que o feriado religioso da nossa família é o dia da cerimônia do Oscar. Não está de todo errado”.
Lucas Machado, filho de Marden
Ao conversar com tantas pessoas, surgiu a seguinte dúvida: como será conviver com alguém tão dedicado ao cinema? Restou-me então consultar a família de Marden Machado. O que encontrei foi uma esposa extremamente orgulhosa e três filhos que cresceram em meio aos filmes.
É isso que o filho Lucas revela: “quando meus amigos perguntavam o que o meu pai fazia, eu respondia ‘crítico de cinema… e assessor de imprensa no TRE nas horas vagas'”. Ele conta ainda que os colegas viam sua casa como uma espécie de locadora. “Um amigo gosta de dizer que o feriado religioso da nossa família é o dia da cerimônia do Oscar. Não está de todo errado”, afirma.
A herança cinematográfica é lembrada pelos outros rebentos. “Cresci assistindo a filmes com o meu pai, foi algo que ele sempre incentivou desde cedo. Por conta dessa paixão dele, passei a me interessar pela história do cinema e como os filmes são feitos. Há anos o IMDB é um dos sites que visito diariamente”, conta Danielle, a primogênita do casal. Philip, o caçula, reforça o raciocínio da irmã: “ele nos mostrou o quanto ama o cinema, fazendo com que nós nos apaixonássemos também”.
Um depoimento não pode faltar: o do irmão Douglas Machado, com quem divide a vida há 60 anos. Desafiado a falar sobre o irmão, Douglas diz que essa é uma tarefa impossível. Prefere mostrar a presença dele em sua casa, nas tantas fotos pela parede. “É cheia de Marden, porque é cheia de cinema. O cinema faz parte da minha vida, como da dele, e falar do Marden é falar de cinema. E falar de dele é falar de mim”.
De todas as fontes ouvidas para essa matéria, uma palavra sempre se repetia quando eram provocadas a falar sobre Marden Machado: generosidade. São muitos os que relatam histórias de como se sentiram estimulados pelo jornalista piauiense/ curitibano. Inclui-se nessa lista a própria Escotilha, uma vez que Marden foi apoiador deste site desde o início, em 2015.
Uma história relatada por Paulo Biscaia ilustra bem esse aspecto de sua personalidade. Ele compartilha: “um dos melhores presentes de aniversário que já ganhei na vida foi uma “sessão surpresa” da cópia Bluray 4k de Caçadores da Arca Perdida na sala do Marden e da Marília. Esse é o Marden. Um cara generoso em tudo o que ele faz. Seja nas resenhas ou nas amizades”.
Maria Rafart coloca mais uma palavra nas definições de quem é Marden: humildade. “O termo quer dizer ‘estar dentro do húmus’, que é onde a terra é mais fértil. É uma qualidade de você não colocar a vaidade acima de tudo. O Marden é exatamente essa pessoa. Eu convivo e convivi com ele por muitos anos para saber que ele não transparece um décimo daquilo que ele é”, explica.
Uma pergunta que fiz a Marden, na conversa que tive com ele, foi sobre qual era a resenha publicada no Cinemarden que mais repercutiu. Ele responde que foi justamente a primeira a ir ao ar: seu texto sobre A Felicidade Não Se Compra (leia o texto aqui), clássico de Frank Capra de 1947. Mas Marden acrescenta uma informação: “eu sempre o cito quando me perguntam qual seria o meu filme favorito”.
No original, o longa-metragem estrelado por James Stewart (que conta a história de um homem que pensa em se suicidar no Natal e recebe a visita de um anjo) tem um nome mais poético, talvez: It’s a Wonderful Life. É quase impossível não fazer a associação: não há a menor dúvida de que Marden Machado leva uma vida maravilhosa – dedicada à família, aos amigos e, é claro, ao cinema.
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