As histórias de horror se apoiam no desconhecido para evocar medo no público. O canto escuro na tela cria a expectativa da ameaça. Como não vemos o que há ali, presumimos que pode haver qualquer coisa. O mesmo vale para lugares que nos são estranhos. Não visitamos cemitérios durante a noite ou conhecemos casarões abandonados com frequência. Por isso, as narrativas do gênero se aproveitam disso para explorar melhor nossas ansiedades.
H. P. Lovecraft estruturou toda sua obra em cima do nosso medo do que não compreendemos. Os vastos confins do espaço e do oceano são os habitats de entidades como Cthulhu, Yog-Sothoth e Azathot. Em Nas Montanhas da Loucura, o autor explora nossa ignorância do continente antártico para descrever o viveiro de temíveis criaturas, que vivem por lá há milhares de anos. Nenhum dos enredos do escritor funcionaria se a ambientação fosse em um cenário do nosso cotidiano. Quanto mais conhecemos os limites e as regras do universo, menos confabulamos sobre o que há lá fora.
Existem zonas do desconhecido que estão muito mais próxima da nossa sociedade. É possível que a mais importante delas hoje seja a internet – alvo de muitas de nossas angústias, especulações e temores. A propagação de notícias falsas, a exposição excessiva e a vulnerabilidade a que nos sujeitamos dentro da rede mundial de computadores são temas de contínuos debates públicos, especialmente num período pós-eleições.
Talvez seja essa a razão de, nos últimos anos, estar surgindo uma série de filmes interessados em discutir o nosso medo das redes de conexão. O exemplar mais recente dessa leva é Cam (2018), de Daniel Goldhaber. A trama acompanha uma camgirl, profissão na qual as mulheres se exibem nuas na web em troca de dinheiro, que tem seu rosto e identidade roubadas pela plataforma que usa para divulgar seu trabalho.
Como simplesmente não damos conta de entender e dimensionar as fronteiras do alcance e das possibilidades da internet, há quem atribua a ela um caráter sobrenatural.
O enredo de doppelgänger enquadra a personagem como vítima de um tipo de prisão virtual. Serve como um conto de cautela que nos alerta sobre como precisamos tomar cuidado com o modo como nos entregamos ao mundo virtual sem entender direito as regras do jogo. Especialmente porque a internet é ainda mais estranha para quem está sempre offline. Em uma das cenas mais perturbadoras do longa-metragem, a protagonista vivida por Madeline Brewer precisa explicar seu trabalho a um policial, que, além de intimidá-la, ainda a recomenda ficar fora da web.
O tema aparece também em títulos como O Círculo (2017), Nerve: Um Jogo Sem Regras (2016) e Celular (2016). Este último é baseado na obra homônima de Stephen King e, mesmo com inúmeras imperfeições, traça uma crítica consistente à comunidade conectada, retratada literalmente como zumbis. A inteligência coletiva, aqui, manifesta-se como uma antítese à própria humanidade. Quando estamos em rede, perdemos nossa individualidade e nossa capacidade de raciocínio. Tema profundamente atual quando lembramos do tipo de coisa que as pessoas compartilharam e acreditaram nas últimas eleições.
Algumas produções parecem preocupadas em discutir o perigo que está do outro lado da linha. Amizade Desfeita 2 (2018), de Stephen Susco, e Perseguição Virtual (2014), de Nacho VIgalondo, refletem o lado virtual do que há no submundo da internet de forma muito mais paranoica. Nas profundezas da web, habitam sujeitos dispostos a brincar com os demais usuários, controlando o que fazemos e constantemente coagindo-nos a agir contra nossa vontade.
Como simplesmente não damos conta de entender e dimensionar as fronteiras do alcance e das possibilidades da internet, há quem atribua a ela um caráter sobrenatural. Na rede, vivem fantasmas, demônios e outros assombros. São espíritos vingativos que perseguem as vítimas em Pulse (2001), Amizade Desfeita (2014) e Pedido de Amizade (2016) por meio de computadores.
O copo também pode aparecer meio cheio. No intrigante thriller Buscando… (2018), de Aneesh Chaganty, o personagem de John Cho consegue pistas do paradeiro da filha graças ao uso da conexão e aos rastros deixados por ela em uma série de redes sociais. É um sopro otimista para lembrar que nem sempre devemos temer aquilo que desconhecemos.