O filme norueguês Ragnarok (2013) começa com uma oferenda de vikings a uma criatura gigante que habita um lago no norte do país. A câmera só mostra o medo dos personagens, mas nunca a criatura. O encontro tem um desfecho trágico, que fica de fora da tela. A cena seguinte dá um salto temporal para o mundo contemporâneo.
Esse primeiro momento do filme dirigido por Mikkel Brænne Sandemose dá o tom dessa aventura de horror sobre um monstro grandioso que habita o norte da Noruega. O animal age como uma sombra, cuja presença é sempre sentida, mas quase nunca vista.
O enredo tem como protagonista um arqueólogo chamado Sigurd (Pål Sverre Hagen). Depois de anos de pesquisas no interior do país, ele descobre um artefato que indica a existência de respostas para o mito viking sobre o fim do mundo. O personagem, um pai solteiro, parte com os filhos para a mata para desvendar o mistério ao lado de uma equipe de expedição.
Bastante simpática, Ragnarok é uma produção que tem suas raízes nos filmes de Steven Spielberg, especialmente a franquia Indiana Jones. A narrativa brinca com metáforas sobre a Guerra Fria, acompanha os horrores pelo olhar das crianças e trata bastante de relações entre pais e filhos.
Se a criatura gigante raramente dá as caras na narrativa, Ragnarok sustenta-se pela ambientação.
Embora tenha uma natureza de filme-família, não deixa de ser curioso o modo violento como o monstro devorador de homens é apresentado por Sandemose. Com raros minutos de exposição, a criatura, uma cobra gigante com cabeça de dragão, é sempre um indício de morte, com um ninho recheado de esqueletos humanos, abocanhados ao longo de séculos.
É certamente uma obra diferente de cinema kaiju. Quando chegamos ao cenário em que vive o monstro, a destruição já aconteceu. Sua existência é um segredo, esquecido do resto do mundo. Tal qual a própria história que Sigurd planeja reconstruir.
Como em Gozilla, existe uma inegável característica alegórica na produção, que coloca o monstro como um alerta para os perigos de se revirar demais o que já passou. O fato de a trama se passar na divisa da Noruega com a antiga União Soviética, região que esteve sob constantes disputas territoriais no século XX, parece reforçar essa mensagem.
A história de um país deve ser respeitada, preservada e narrada. Conhecer onde se pisa é importante porque evita que ovos sejam quebrados. Em dado momento da trama, um dos personagens literalmente quebra um ovo ao esbarrar com artefatos históricos perdidos.
Se a criatura gigante raramente dá as caras na narrativa, Ragnarok sustenta-se pela ambientação. Por toda a trama, o espectador anseia, como na primeira cena, pela aparição da criatura, que é sugerida pelos cantos, embaixo da água, à espreita para atacar a expedição.
O longa-metragem foi lançado no Brasil direto para home video. Hoje, integra o catálogo do Amazon Prime Video. A Noruega, que não tem lá muita tradição com monstros gigantes, tem ao menos uma outra produção do subgênero: o mockumentary O Caçador de Trolls (2010)