O seriado The Twilight Zone (Além da Imaginação, no Brasil) figura com alguma facilidade na lista das produções mais importantes realizadas na televisão norte-americana. Fruto da dedicação apaixonada do roteirista Rod Sterling pela ficção científica, o programa se tornou responsável, graças à eficiência de suas narrativas de 30 minutos, por influenciar uma geração inteira de produtores culturais.
Joe Dante, Steven Spielberg e Gene Roddenberry foram alguns dos artistas de Hollywood que beberam na fonte da série. Na literatura, claro, Stephen King foi um dos maiores entusiastas. A ponto de pensar algumas de suas próprias histórias como episódios do programa. No livro-ensaio Dança Macabra, lançado em 1981, o escritor dedica um capítulo inteiro para analisar tramas de episódios assinados por Serling.
No filme Olhos de Gato (1985), aliás, King parece dialogar diretamente com a atração televisiva, estruturando o roteiro em três episódios de meia-hora, independentes entre si. A conexão entre as histórias da produção é o tal gato, que dá nome ao longa-metragem, e aparece como observador e personagem das tramas.
Olhos de Gato é mais um exemplo de como o livro Sombras da Noite serviu de base para um extenso repertório de adaptações cinematográficas baseadas na obra de Stephen King.
O título foi a segunda empreitada do mestre do suspense como roteirista. A primeira havia sido Creepshow (1981) em parceria com George Romero (leia mais sobre o diretor aqui). O texto adapta dois de seus contos e escreve uma história completamente nova. O último segmento, General, foi criado especialmente para o filme, enquanto Quitters, Inc (baseado em Fumantes Ltda.) e The Ledge (baseado em O Ressalto) vieram do livro Sombras da Noite. A mesma coletânea serviu como base de Mangler – O Grito do Terror (1995) (leia mais aqui) e A Criatura do Cemitério (1989) (leia mais aqui).
Muito superior aos dois outros títulos citados, Olhos de Gato se beneficia da boa direção de Lewis Teague, que havia comandado a adaptação de Cujo (1983). O cão vampiro até faz uma participação especial no início do filme, quando persegue o gato que guia o público pelas histórias. Na mesma cena, temos um vislumbre do Plymouth Fury, de Christine, o Carro Assassino (1983).
Nesse intrincado jogo de autorreferências, King e Taegue apresentam ao espectador a um universo episódico tão surreal quanto as situações imaginadas por Serling menos de três décadas antes. No primeiro arco, acompanhamos Dick Morrison (James Woods), um homem que, por meio de um amigo, decide contratar os serviços da Fumantes Ltda., empresa especializada em livrar seus clientes do tabaco com métodos de persuasão eficazes. Refletindo a própria dificuldade que teve em largar o cigarro, o escritor mostra que a estratégia da corporação é seguir o funcionário e ameaçar sua família para que ele evite a todo custo o tabaco.
Na segunda trama, um apostador (Robet Heyes) decide se vingar do amante de sua mulher e o força a andar pela beirada de um recuo do prédio. Se sobreviver, pode fugir com sua amada e com uma generosa quantia de dinheiro. Com os melhores efeitos visuais do longa-metragem, a sequência em que o personagem chantageado tenta se livrar de um pombo que devora seu pé é, ainda hoje, bastante angustiante.
Na última trama, o tal gato, que estava de passagem pelas outras histórias, se torna o protagonista. Isso porque ele precisa impedir um minúsculo troll de sugar a alma de uma menina (Drew Barrymore, ainda se acostumando às telonas). Considerado pelo crítico Roger Ebert como o melhor momento de Olhos de Gato, essa história carece da paixão encontrada nas demais. Barrymore, que teve o papel escrito para ela após a experiência de A Incendiária (1984), serve como isca nessa relação que emula a animação Tom e Jerry. O desenho chega a ser citado no filme e serve como uma prova de que King tem outras influências televisivas além de The Twilight Zone.