Podem me chamar de rabugenta. Mas chega a época do dia das Mães e por todo lado se vê uma enxurrada de homenagens, frases feitas, palavras e mais palavras sem muito sentido que tentam, de alguma maneira, dar conta do que é criar outro ser humano e se responsabilizar pelo outro da maneira como as mães, em geral, fazem. E é uma chatice sem fim, porque toda essa responsabilização e “perfeição materna” é uma construção irreal, machista e opressora.
Essa construção inatingível é retratada no filme Perfeita é a Mãe (2016), disponível na Netflix. É uma daquelas comédias pastelão, exageradas, com personagens jogando comida entre si dentro de um supermercado e comendo enquanto dirigem em alta velocidade. O enredo mostra a reviravolta na vida de algumas mães quando elas decidem abandonar o estereótipo da “mãe perfeita” e assumem a maternidade real, com falhas (algumas irremediáveis) e recomeços.
Mães são seres humanos. Erram e acertam, riem e choram, se divertem ou se entristecem como qualquer outra pessoa. Mas a sociedade cobra – e fez virar elogio – a perfeição/santificação da maternidade. Repare nos anúncios e homenagens que você já está vendo e que verá nos próximos dias. Textos e frases de efeito que giram em torno das supostas qualidades inerentes às mulheres que são mães: se doam, se anulam, se preocupam, ensinam de tudo, são obstinadas na tarefa de se colocar em segundo lugar para priorizar os outros. Uau! Mães são santas, loucas ou robôs.
A maternidade é uma construção diária, cheia de altos e baixos, como qualquer relacionamento humano.
Soa muito bonito superficialmente, mas essa é uma ponta do iceberg de como a maternidade é representada de modo errôneo. Mães têm uma ligação especial com seus filhos e sentem um grande afeto pelas criaturas que trouxeram ao mundo? Sim. Mas essa é apenas uma faceta.
Mães continuam tendo sonhos e desejos próprios, que nem sempre condizem com a dedicação exclusiva aos filhos. Mães em geral estão sobrecarregadas com as tarefas relacionadas à maternidade, porque essas funções não são divididas igualmente entre os pais ou porque a sociedade (familiares próximos, vizinhos, amigos) lava as mãos com relação à responsabilidade sobre as crianças. Mães são vulneráveis.
Garanto que as mães amam seus filhos e são felizes com eles, mas se cobram e se culpam por não serem as “mães ideais” propagandeadas por aí. Abro mão do estereótipo em troca de uma maternidade mais leve, na qual se possa admitir que os filhos assistem mais desenhos animados do que a gente gostaria e jantam macarrão mais vezes na semana que o recomendado por qualquer nutricionista.
No filme, as mães assumem – não sem vergonha disso – que não conseguem atingir o nível de perfeição na educação e no cuidado com os filhos. Esse nível de perfeição é oriundo de uma característica cruel: mães e mulheres são instigadas a competir entre si e não a se ajudar. Isso acaba tornando a maternidade uma jornada solitária e repleta de culpas desnecessárias.
Em Perfeita é a Mãe, os personagens ultrapassam a barreira do julgamento e criam laços entre si com o intuito de se ajudar verdadeiramente. Para uma comédia-pastelão, a reflexão que fica é riquíssima. Mesmo em meio às cenas exageradas e personagens caricatos, a trama mostra que a maternidade é uma construção diária, cheia de altos e baixos, como qualquer relacionamento humano. O filme nem de longe é uma obra-prima (e não o assista se for criterioso demais), mas passa o recado de forma eficiente. E nas cenas extras, atrizes e suas mães falam sobre seus relacionamentos e seus modos de exercer a maternidade.
Há um provérbio africano que diz que é preciso uma vila para criar uma criança. A máxima diz respeito ao fato de que todos são co-responsáveis pela infância: isso significa não excluir as mães do mercado de trabalho ou do convívio social, não responsabilizá-las ou culpá-las por tudo que acontece com os filhos, desenvolver a empatia com relação à maternidade e à infância. Seja pelo provérbio milenar ou pela comédia-pastelão, exerça a empatia: é o melhor presente no próximo domingo.
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