Eu sempre amei escrever. Com oito anos, uma frase minha foi selecionada para estar na agenda do colégio no ano seguinte. Era assim: “a flor é uma simplicidade de Deus”. Nos mudamos de cidade e estado naquele verão e eu nunca vi essa frase impressa. Depois, continuei nos versos. Escrevi um caderno inteiro de poesias com aquelas rimas das mais bobinhas e ele foi destruído depois que virou alvo de piada dos meus irmãos mais velhos.
Não sei se feliz ou infelizmente, tenho uma ótima memória sobre minha infância. Talvez isso me deixe mais atenta a algumas reações das minhas filhas com o que consomem, o que falam, como vivenciam as experiências. Nesses dias de isolamento, sem aulas e sem as atividades às quais estavam acostumadas, tivemos de resgatar um “celular de gaveta” e nomeá-lo de “celular das crianças”. Ali, um único app: o Crianceiras, coleção digital primorosa baseada na obra de Manoel de Barros. Poesias, versos transformados em canções, joguinho para fazer desenho.
Percebi que a cadência dos versos e estrofes agradava as duas, que se divertiam quando haviam rimas ou riam das situações meio absurdas.
Deixei as meninas com o aparelho e vi o maravilhoso milagre do silêncio acontecer. Mas até já desacostumada com tanta tranquilidade, fui observar a relação das crianças com a tecnologia: decoraram as músicas, inventaram poemas com base nos versos decorados, “brincam com as cores”, como elas dizem.
Percebi que a cadência dos versos e estrofes agradava as duas, que se divertiam quando haviam rimas ou riam das situações meio absurdas, como quando o Bernardo que era árvore e virou passarinho ou o menino torto que subia a ladeira fazendo toc ploc toc ploc. Elas se encantam com a leitura de poesias. Os olhinhos, que já costumam brilhar, ficam ainda mais intensos e ligados naquilo que vem em seguida. Com o intensivo de poesias, vi que elas também se dedicam a inventar histórias curtas. Parece que o cotidiano com a simplicidade da poesia as fez mais dispostas a inventar as próprias histórias.
Vi como gostaram das poesias e lembrei de uma coletânea de poemas para crianças da Cecília Meirelles, disponível online. Também tratando de temas da simplicidade e ligados à natureza, como a galinha, a vizinha velhinha, os peixes, o eco, a flor… as crianças conseguem identificar os elementos e, por mais que não façam uma análise apurada do trecho, gostam muito as simplicidade dos versos, da leitura ligeira, da história que logo acaba.
Outra poesia forte e profunda que ganhou o coração das meninas – que ainda não fazem ideia sobre o que estão falando – foi Amoras, do cantor Emicida (tem uma versão animada aqui). O livro, lido via Kindle (o que também é um capítulo à parte, afinal, até então o leitor digital que era só “o livro da mamãe”), tem de ser repetido quase todas as noites. Também, nesse período, ganhamos e incorporamos na rotina a leitura do Nada Me Assusta, da Maya Angelou. Texto rico, ilustrações surpreendentes e fortes – de ninguém menos que Jean-Michel Basquiat – mexem muito com a imaginação das crianças, também merecerá um capítulo à parte nesta coluna. Virou o parceiro quando surge algum medo e também serve para falar sobre os pesadelos, que têm rondados as noites das pequenas. Em tempo de pandemia e incertezas, o poema também serve de recado para os adultos.
Calhou que, pelos mesmos dias, vimos um vídeo da jornalista e escritora Jaqueline Conte, que já tem 3 livros infantis publicados; um deles de poesias. Com o vídeo em que lê três poesias da obra Na Casa Amarela do Vovô, Joaninja Come Jujubas (MercadoLivros, 2017), a autora ganhou duas fãs mirins, que viram a leitura repetida por inúmeras vezes. Elas se apaixonaram por ouvir as rimas, decoraram as poesias rapidinho.
Quando o livro chegou pelo correio, mais uma surpresa: é uma obra em construção. Além dos 28 poemas, a diagramação simples e colorida dá espaço para a imaginação das crianças, que podem compor desenhos nas páginas em branco, ao lado das poesias. Para elas deve ter sido um momento único (e talvez esquisito) ser incentivadas a fazer um desenho no livro, já que a regra por aqui é que lápis e giz só combinam com livros de colorir.
E além de qualquer benefício como rima, conhecer palavras novas ou aprender sobre musicalidade e palavras, vi que aqui a poesia para as crianças tem um efeito tranquilizador e sonífero. Lendo poesias, o sono logo vem.
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