Não lembro ao certo quando fiz meu primeiro amigo, mas certamente me recordo do último. Quem minha mente registrou como “meu primeiro amigo” talvez não o tenha sido. Das curiosidades da vida, a maior é o fato que nossa amizade não chegou até meus 10 anos, menos de um terço do que tenho de idade, e ainda assim é representativa. Não lembro da primeira palavra trocada, nem da última, mas lembro da banqueta que o pai dele, um norte-americano esguio, construiu dos dois lados do muro. Ali, subíamos e ampliávamos nossa visão de mundo conversando um com outro. Nunca soube o que ele pensava de ter como melhor amigo um guri 3 anos mais novo que ele, mas ele sempre fez questão de ser um bom amigo, de estar presente.
Cedo, muito cedo, entendi que amizades surgem para durar o tempo necessário, causar um impacto em nossa vida e, então, partir em nova direção, ou que elas nem sempre estarão presentes como nós compreendemos a presença e que isto não significa um sentimento pequeno.
Por volta dos meus 7 anos de idade, ele e sua família deixaram o Brasil em direção aos Estados Unidos. Nunca mais nos vimos ou conversamos. Restou uma solidão e uma casa vizinha completamente vazia. Não havia mais cachorros, os mesmos que eu alimentava durante as viagens deles. Não havia mais quem devolvesse minha bola, que insistia em pular o muro que dividia nossos quintais. Cedo, muito cedo, entendi que amizades surgem para durar o tempo necessário, causar um impacto em nossa vida e, então, partir em nova direção, ou que elas nem sempre estarão presentes como nós compreendemos a presença e que isto não significa um sentimento pequeno.
Até o momento em que compreendi isto, já um homem adulto, precisei lidar com uma espécie de depressão adjacente, uma solidão constante pela falta do amparo de uma amizade, o eixo que serve como um espelho do que somos, para o bem e para o mal. Tratava-se menos de não conseguir viver com minha própria companhia e mais de querer multiplicar meu ser em vários.
É necessária uma dose cavalar de entendimento das relações humanas para decifrar o não-dito de nossa presença no mundo. Perceber que os melhores amigos nem sempre estarão perto, porque nem sempre devem estar, e que talvez nem saibamos de verdade quem eles são. Em outras ocasiões, sabemos, e mesmo à distância vivemos nossas vidas de maneira incrivelmente próxima. E nestas amizades, tornamos a não ser sós, pois ecoamos em outra existência. Nos multiplicamos.
Procuro enxergar todos os amigos que tenho como um capítulo do livro da minha vida. Alguns duram muito, enquanto outros simplesmente representam alguns poucos parágrafos. Independente do tamanho, estão todos ali. É o que cria a importância da presença deles – e também de sua ausência –, pois o que estará escrito nesta relação perpetuará ao longo da existência, e deixará marcas, nossas marcas no mundo.