A flor estava linda. Um raio de sol ousava enfrentar o inverno curitibano, que de tão rigoroso chegou adiantado e não aceitava convidados que não estivessem na lista. Como bom intruso, o sol apareceu sem convite, e refletia as luzes do prisma criado com a janela da sala. Procurou o ângulo perfeito, a luz perfeita, o lado perfeito, a posição perfeita. Acabou por não tirar a foto, por não participar do momento, por perder o sol, a flor, o instante.
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Sacou o celular e pôs-se a filmar e fotografar. Cada música, cada fala, cada bis. Gravou tudo, minuto a minuto. Mas não viu o show. Esteve lá, mas foi como se não.
Era seu ídolo. Chegava a ter ares de filme hollywoodiano: quase perdeu o voo para São Paulo; teve a mala extraviada; a reserva do hotel não foi confirmada; não havia mais quartos; foi parar num pensionato na República; foi assaltado a caminho do metrô. Mas, ainda assim, chegou ao Morumbi. As ruas lotadas, cheias de fãs como ele. Sem dinheiro em espécie por conta do assalto, passou fome e sede. A sorte maior é que os banheiros químicos, se não cheirosos, eram gratuitos. Com sono, fome, sede e cansaço, enfrentou, ainda, a garoa que decidiu cair na Paulicéia Desvairada. Ao entrarem no palco, não pensou duas vezes. Sacou o celular, o único bem que conseguiu esconder durante o assalto, e pôs-se a filmar e fotografar. Cada música, cada fala, cada bis. Gravou tudo, minuto a minuto. Mas não viu o show. Esteve lá, mas foi como se não.
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Conheceu-a na faculdade. Amiga do seu colega de turma, vinham juntos do Centro até a Cidade Universitária. Mudou o caminho que fazia na volta só para poder retornar com ela e, assim, poder conhecê-la melhor. Ela se encantou pelo estudante de jornalismo e ele ficou apaixonado pela nova aluna de economia. Foram meses assim, até criar coragem para convidá-la para sair. Convite feito, convite aceito. Foram ao melhor restaurante que o salário de estagiário permitia. Lá chegando, o sorriso dela só para ele, os olhos dela brilhando por ele. Uma notificação apareceu. E aí, o Messenger do Facebook; o grupo dos amigos de infância no Whatsapp; um post imperdível no Facebook; o meme no Twitter; o email do chefe; o SMS da operadora de celular avisando que a franquia do celular estava acabando. Mas antes de acabar a franquia, acabou o encontro; acabou o encanto; acabou a emoção. Acabou.