Engraçado como você encontra as respostas para a vida onde menos imagina. Eu, por exemplo, encontrei um monte de respostas (e de perguntas) nos livros daqueles tiozinhos barbudos que escreveram os clássicos da literatura universal, mas também me deparei com reflexões muito profundas simplesmente jogando videogame. Sim, aquela máquina satânica que a sua mãe dizia que estragava a televisão.
É claro que não foram naqueles jogos mais antigos, que não tinham nem história, embora o Pac-Man seja claramente uma metáfora sobre a compulsão por comida (pontinhos) e o sentimento de culpa (fantasmas) decorrente da alimentação desregrada, que só pode ser compensada por opções mais saudáveis (as frutas). Também não foi jogando Enduro, aquele clássico jogo de corrida que nos mostrava o quanto a existência é vazia e sem sentido nos colocando pra correr numa pista infinita que não ia para lugar nenhum.
Como li Freud e não entendi muita coisa, o jogo do Batman acabou sendo mais útil em termos de iluminação psicanalítica. No game Batman: Arkham Knight (terceira parte de uma franquia), o morcegão precisa enfrentar bandidos, investigar crimes, escalar paredes, andar de batmóvel atropelando todo mundo, etc você sabe, aquela coisa de sempre do pessoal rico que usa fantasia para salvar o mundo. Inclusive tem um lance com os pais do Bruce Wayne que talvez Freud gostasse de analisar, mas deixa pra lá.
Como li Freud e não entendi muita coisa, o jogo do Batman acabou sendo mais útil em termos de iluminação psicanalítica.
O curioso é que durante o expediente o herói passa a ser atormentado pelo seu maior inimigo, o Coringa. “Não tem nada de curioso aí, ele enfrenta esse maluco maquiado desde os tempos da minha avó, nunca ouviu falar de Cesar Romero?”. É verdade, é verdade, mas é que o Coringa já havia sido derrotado no jogo anterior e agora ele está apenas na mente do Batman. Tipo alucinação, sabe?
Você está lá com seu controle de Xbox prestes a impedir um assalto a banco comandado pelo Pinguim e aí aparece o Coringa dizendo que você é um merda, que não vai dar certo, ninguém vai te dar match no Tinder, você não vai ter dinheiro pra pagar os boletos no fim do mês etc. Enfim, ele é uma espécie de anti-Lair Ribeiro. Ou melhor, ele é tipo aquele seu colega de trabalho.
Há um componente de loucura muito interessante no personagem do Batman, afinal, um cara que se veste desta forma não é lá muito mais centrado do que seus arqui-inimigos birutas (lembrando que neste universo os criminosos, pelo menos em sua maioria, não são presos numa cadeia, mas sim internados no Asilo Arkham). No fim das contas, muita gente enxerga o Coringa como um Batman sem muito senso de moralidade e sem amarras sociais, neste caso um espelharia o outro, mas eles não seriam necessariamente opostos.
O caso é que neste jogo o Batman percebe, finalmente, que o Coringa faz parte de sua mente zuada e que simplesmente é impossível eliminá-lo completamente de sua vida. A metáfora do game não é muito sutil, mas funciona: a missão do jogador é trancar o Coringa dentro de uma jaula na mente do Batman, pois no fim das contas é tudo uma questão psicológica. O inimigo não será eliminado, ficará para sempre nos recônditos de seu cérebro e, a partir dali, Bruce Wayne terá que aprender a mantê-lo sob controle para conseguir levar uma vida razoavelmente normal (dentro dos padrões homem-fantasiado-de-morcego de normalidade).
E aí que a gente volta pro divã e pros livros que eu não entendi direito. É um pouco disso tudo, né? A gente fica um tempão da vida tentando passar Omo Dupla-Ação em algumas manchas do passado, mas a verdade é que elas estarão sempre ali, buzinando um monte de merda no nosso ouvido durante a insônia do domingo à noite, então não adianta muito fingir que elas nunca existiram. E não tem problema nenhum nisso, afinal compreender e aceitar a escuridão interior não é o mesmo que ser derrotado por ela, certo?
Isso nos leva a pensar que a vida pode ser tão sombria em Curitiba quanto em Gotham City, depende apenas de nossa capacidade de manter os demônios dentro da jaula.