Atenção: O presente texto respeita a Lei Federal de número 0001/2017 que garante ao leitor o direito de não tomar spoiler na cara, contudo, é mister verificar o parágrafo 4 inciso 2 que determina que, abre aspas, não será considerado spoiler se a informação se referir a um objeto de análise cuja vida útil ou inútil já ultrapassou os 10 anos, fecha aspas.
Crise financeira, escândalos políticos, reforma trabalhista, reforma da previdência, merenda roubada, desastre ambiental, carne com papelão, greve de ônibus, Emilly do Big Brother… os cavaleiros do apocalipse andam bastante ocupados ultimamente.
Em meio a esse furdúncio, o irmão mais novo desses sujeitos aproveita para cavalgar por aí no seu pônei preto lançando suas pragas. Ele é aquela figura satânica que em vez de vir uniformizado de fã do Iron Maiden, como é de se esperar de um cavaleiro do apocalipse, chega vestindo uma camiseta escrito “Diadorim é uma mulher” ou “Rosebud é o trenó”.
A arte de contar o final da história para quem ainda não a conhece vem se tornando cada vez mais frequente e menos sofisticada, feito um quadro do Romero Britto.
A arte de contar o final da história para quem ainda não a conhece vem se tornando cada vez mais frequente e menos sofisticada, feito um quadro do Romero Britto. O spoiler deixou de ser um ato isolado daquele maluco que saía da sessão de um filme do M. Night Shyamalan gritando pra todo mundo na fila do cinema que o Bruce Willis era um fantasma, e passou a frequentar a área comum deste condomínio sem síndico chamado internet.
Estudos apontam que os fãs de Game of Thrones popularizaram a ideia de que é ok revelar pra todo mundo que tal personagem morreu, pois se as outras pessoas não têm assinatura da HBO e não assistiram no horário correto ou não se esforçaram nem mesmo para ler os trocentos livros gigantescos, azar delas.
Temos aqui o desejo exacerbado de querer compartilhar no calor do momento uma eventual perplexidade (“como assim mataram o cara, ele não era o protagonista?”) versus o pouco caso com a experiência alheia.
Num geral, é apenas uma questão de insensibilidade ou de “diarreia verbal” (valeu, Janot!) que acaba escapando nem sempre de forma proposital.
Assim como o nazismo e o Michael Bay têm seus simpatizantes, o spoiler também conta com alguns defensores. Esses cidadãos, que provavelmente não leram Agatha Christie e Arthur Conan Doyle na adolescência, começam uma conversa assim:
“- Você já assistiu Clube da Luta?
– Não lembro, é sobre o quê?
– É aquele que Brad Pitt na verdade não existe, é só imaginação do cara”.
Deve haver algum prazer sádico nisso.
Destruir a curiosidade ou a possibilidade de surpresa de alguém não é exatamente um modo muito eficaz de se compartilhar a empolgação com alguma história, às vezes a única coisa que você conseguirá com isso, além de ver o semblante de desgosto do seu interlocutor, é que o seu nome vá parar na boca de um sapo.
Dificilmente alguém encararia vários episódios de uma série se já soubesse de antemão o seu final (inclusive só isso explica por que fomos até o fim de Lost). Ou ainda, imagine a preguiça de enfrentar as centenas de páginas de um romance policial cujo o mistério já lhe foi revelado.
O caminho é importante, é claro, qualquer história que preste não se resume apenas às surpresas finais, contudo, a relevância destas surpresas ou o prazer da descoberta é uma questão bem subjetiva, e em geral é uma decisão/experiência que pertence ao outro e não à boca aberta do sujeito spoilerzento.
Aqui no final dessa crônica moralista ninguém morre, mas acho importante deixar as últimas palavras, ligeiramente adaptadas, daquele defunto famoso criado por Machado de Assis (não vou contar quem é pra não estragar a revelação surpreendente), e que poderá nos servir de bom exemplo e reflexão:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o spoiler da nossa miséria”.