Estava preocupado. Amava Catarina, mas não com a mesma intensidade de antes. E, por ironia, o motivo disso era o fato de ainda permanecer o mesmo amor de sempre: estava cansado de amar daquela maneira, queria um novo amor por sua esposa, procurar e inventar amores diferentes pela sua Catarina. Não conseguia.
A verdade é que havia outra ocupando seus pensamentos, presente em quase todos os momentos. Chamava-se Rotina.
Todos os dias, Rotina assistia enquanto ele e Catarina tomavam café da manhã às seis, iam trabalhar às sete, voltavam para casa às vinte, perguntavam, quase que simultaneamente, “e o seu dia, como foi?” às vinte e uma e se deitassem logo em seguida. Isso já acontecia há onze anos e dois meses; Rotina havia apagado muito do brilho que ele enxergava em Catarina e vinha mostrando-se persistente no objetivo de eliminá-lo de vez.
Naquela manhã que parecia ser como outra qualquer, ele derrubou a caneca de café no chão, por descuido – estava avoado em virtude de sua preocupação com Rotina e ainda não tinha conseguido arquitetar nenhum plano para vencê-la. O café espirrou em Catarina, que já estava vestida para o trabalho e, furiosa, ficou quase roxa e começou a gritar. Fazia tempo que ele não a via quase roxa. Fazia tempo que ele não a via gritar. Na verdade, fazia tempo que ele não a via esboçar qualquer reação que não fosse obra de Rotina; foi então que ele percebeu que, sem querer, ele havia comprado uma briga com Rotina. Decidiu que era hora de levar isso adiante.
No dia seguinte, derrubou o leite. Mais uma vez pôde ver Catarina gritando histericamente e observar em cada curva de seu rosto o quanto ela ficava bonita quando estava brava. Apaixonou-se por Catarina brava; passou os próximos dias derrubando, esquecendo e quebrando tudo o que podia, de maneira que não parecesse proposital. Ela gritava, gritava e gritava. E como era linda! Estava tudo maravilhosamente bem, como há muito tempo não acontecia.
Mais uma vez pôde ver Catarina gritando histericamente e observar em cada curva de seu rosto o quanto ela ficava bonita quando estava brava. Apaixonou-se por Catarina brava.
Passada uma semana, ele percebeu que as brigas frequentes já eram obra de Rotina. Como estava decidido a vencê-la, tratou logo de pensar em inovações; trouxe flores à Catarina, que chorou emocionada como há muito tempo não chorava. E como era linda Catarina com lágrimas de alegria escorrendo pelo rosto! Apaixonou-se por Catarina emocionada. Passou uma semana a emocionando.
Durante várias e várias semanas, ele usou toda a criatividade que lhe foi capaz para trazer à tona diversas catarinas, e apaixonou-se por cada uma delas. Tudo ia bem e Rotina já não era mais um problema.
Naquela manhã que não deveria parecer-se como outra qualquer, os dois se levantaram, tomaram o café da manhã às seis horas e, perto das sete, quando estavam quase de partida para o trabalho, ele se deu conta de que não havia planejado nada de diferente para aquele dia. “Rotina voltou”, pensou.
Foi um dia de trabalho tenso e sofrido. No escritório, ele só conseguia pensar na tristeza que lhe causaria o retorno de Rotina e a consequente falta de amor por Catarina. Ele havia falhado. Seus pensamentos não davam espaço a novos planos, somente à tensão e ao medo.
Chegou em casa às vinte, jantou com Catarina. Às vinte e uma ela perguntou “e o seu dia, como foi?” e não obteve resposta. Ele fitou-a fixamente. Ficou observando-a durante incontáveis segundos – para ele, foi a eternidade – até concluir o inesperado: Catarina estava com um brilho que há muito ele não enxergava. Era ela, sua Catarina, a mesma que caminhava ao lado de Rotina, que saía de casa todos os dias no mesmo horário, que fazia a mesma pergunta todas as noites, que não gritava ou expressava fortes emoções. Rotina estava presente e isso não era mais motivo de preocupação.
Olhou bem para a rotineira Catarina, a Catarina de sempre. Apaixonou-se.