Era a minha primeira palestra da semana. Havia ensaiado tanto em frente ao espelho que nada poderia dar errado. Estava tudo na ponta da língua.
Logo que subi no palco, os alunos levantaram para aplaudir. Como é gostosa a sensação de ser um exemplo para alguém! Eu sabia que estava lá por esforço próprio e isso inflava minha alma de orgulho.
Comecei. Senti certo embrulho no estômago. “É o nervosismo”, pensei; enquanto falava, ouvi um blublublu vindo da minha barriga. “Mas eu nem estou tão nervoso”, pensei, enquanto meu estômago se revirava, parecendo estar num concurso de mestre-sala (ele definitivamente seria o vencedor).
A palestra seguia e, a cada frase, sentia a dancinha estomacal aumentar. Olhava com desespero para a mesa de professores convidados, logo ao meu lado. Já estava ficando incomodado, sentindo um aperto. Comecei a me contorcer, olhar com os olhos cada vez mais arregalados para as pessoas próximas. Elas me correspondiam, sem entender bulhufas, mas arregalando os olhos de volta para mim.
Eram gases! A dança, os olhares, tudo não passava de um enorme pedido de socorro. E eu era um ser humano incompreendido ali. Ninguém me acudia, parecia não haver uma cabeça pensante disponível a utilizar o mínimo neurônio suficiente para entender meus sinais.
Comecei a suar frio. Imagino que tenha ficado pálido, também. Desejei estar novamente em frente ao espelho, não para verificar minha palidez, mas para poder eliminar aquilo que me aborrecia – já que estaria em um local privado.
Carbônico, Hélio, Natural, só conseguia pensar em gases. Os alunos me faziam perguntas, que eram respondidas num contorcionismo quase artístico, sem pé nem cabeça, sem nexo nem fundamentos.
– Doutor, o que o senhor considera mais importante dentro dos princípios básicos de Henri Fayol?
-Veja bem, Fayol foi um homem muito importante para todos nós. Os princípios básicos de Fayol têm total importância até os dias atuais. É o que importa.
Peguei o microfone, tentei soltar uma frase e senti que algo queria sair. Não eram palavras.
A ideia veio. “Pedirei para apagarem as luzes, para que eu passe um vídeo. Solto quando estiver tudo escuro e ninguém saberá que fui eu.” Pedi. As luzes se apagaram. Não consegui.
Forcei até ficar roxo, só faltou entrar em posição de cócoras. Eram dois minutos de vídeo e, mesmo com todo o esforço, nada saiu. As luzes voltaram a acender e eu voltei a suar. “Meu caralho, falta pouco, eu vou conseguir.”
A palestra chegou ao final. Decidi que era hora de correr ao banheiro.
Ao me despedir, a desgraça: uma homenagem. Sim, os estudantes, aqueles lindos e carinhosos filhos das putas, haviam preparado algo especial para mim. Duas alunas subiram ao palco, leram alguns textos normalmente encontrados em livros de autoajuda, agradecendo toda a inspiração que eu havia trazido, e eu só pensava em uma coisa: gases.
Depois de toda a amorosa ladainha, o auditório foi tomado pelos gritos de “discurso, discurso, discurso”. Eu não aguentava mais, já estava no meu limite e não conseguiria mais segurar.
Peguei o microfone, tentei soltar uma frase e senti que algo queria sair. Não eram palavras; fiquei um tempo imóvel, sem pronunciar uma sílaba. Ia ser dos barulhentos.
Foi incontrolável e, quando percebi, já tinha acontecido: “queridos alunos, me desculpem, mas eu preciso peidar.”
O barulho quebrou o silêncio da expectativa de um discurso emocionante.