Sempre que chove, eu duvido seriamente que Brasília tenha sido uma cidade planejada. Isto é, recuso-me a aceitar que o caos desses dias já estivesse previsto no projeto do Lúcio Costa. O mais provável é que ninguém tivesse se dado conta de que em Brasília chovia. De fato, ali por agosto e setembro, eu mesmo chego a duvidar que algum dia irá voltar a chover na cidade. Se cai uma gota do céu durante esses meses, a imprensa logo é chamada e são ouvidos depoimentos emocionados daqueles que tiveram a oportunidade de acompanhar acontecimento tão extraordinário. Por vezes a seca dura quatro meses e mais do que nunca a umidade do ar se torna relativa. Nos piores dias, uma densa nuvem de poeira cobre o Congresso – é o fog brasiliense. Se nessa hora começasse a chover, Brasília se tornaria um grande achocolatado em pó.
Mas isso apenas na estação da seca, que é uma das duas que existem aqui em Brasília – um Vivaldi brasiliense jamais comporia algo como “As quatro estações”. Lá pelo final de outubro começa a outra estação, que é das chuvas, ou a da alagação, pois, pelo menos por aqui, uma coisa não se separa da outra. Em Brasília, quando chove, chove pouco – em geral, apenas três vezes ao dia: 1) Na hora de sair de casa para ir ao trabalho; 2) Na hora de sair do trabalho para ir almoçar e 3) Na hora de voltar para casa. Em todas as demais situações, ou seja, aquelas em que você está bem protegido debaixo de algum telhado, não cai a mais miserável das gotas.
E quando chove, chove de imediato, isto é, não existe nenhum sinal no céu avisando que está prestes a chover. Não tem uma mancha escura no horizonte, não tem trovoada, não tem nem mesmo andorinha voando baixo: simplesmente chove, do nada. É como se São Pedro, por pura molecagem, apertasse um interruptor nos momentos mais imprevisíveis. Agora chuva! Agora sol! Agora chuva! Desse jeito. Não há nenhuma garantia de que quem olhar pela janela de um prédio e enxergar um céu de brigadeiro terá esse mesmo cenário depois que descer pelo elevador. Por vezes já se formou então um pequeno dilúvio e a pessoa não está levando guarda-chuva.
Recuso-me a aceitar que o caos desses dias já estivesse previsto no projeto do Lúcio Costa. O mais provável é que ninguém tivesse se dado conta de que em Brasília chovia.
Este problema, é claro, não fica muito tempo sem solução, pois, duas gotas após o início da chuva, já começam a saltar para as ruas, aparentemente vindos dos bueiros, dezenas, centenas de vendedores de guarda-chuva. E assim você se obriga a comprar um deles, um simplesinho mesmo, porque sem dúvida você irá esquecê-lo em algum lugar e assim o prejuízo será menor. Tem início então a caminhada de um pedestre pelas ruas de Brasília em dia de chuva e, por mais que se cante e se louve os feitos desses heróis, jamais será dito o bastante. No projeto inicial de Brasília não ocorreu a ninguém que as pessoas podiam usar os pés para se locomover no seco, o que dirá no molhado. O consolo é que a chuva nasce para todos, e os motoristas precisam lidar com cascatas nas tesourinhas – as chamadas Cataratas da Asa Sul.
Até voltarmos ao prédio a chuva já parou, os vendedores de guarda-chuva já foram engolidos pela terra e um sol ardido começa a lhe queimar a face, mas você está são e seco – até a próxima traquinagem daquele velho balofo que cuida do clima.