– Eu gostaria de registrar o nascimento de uma criança.
– Pois não. Os pais são casados?
– Ainda não, mas ela me está prometida em casamento.
– Entendo. O senhor tem aí a declaração da maternidade?
– A declaração da maternidade?
– Sim, da maternidade onde a criança nasceu.
– Mas ela nasceu numa manjedoura!
– Bem, então eu preciso de um atestado do médico ou da parteira.
– Não teve médico nem parteira, eu mesmo fiz o parto.
– Nesse caso, eu preciso do testemunho de duas pessoas.
– Pois eu tenho até três! Venham aqui, Balthazar, Melchior, Gaspar.
– Muito bem. Identidade e CPF de todos vocês, por favor.
– A minha também?
– A sua também, o senhor não é o pai?
– Bem, tecnicamente não sou, mas é como se fosse.
– Espera aí. O senhor é ou não o pai da criança?
– Eu o recebo como o meu filho.
– Chame aqui a mãe da criança, por favor.
– Eis aqui a sua serva.
– A senhora é mesmo mãe da criança?
– Desde que o anjo me apareceu.
– Esse anjo por acaso é o pai?
– Não, ele apenas anunciou o nascimento.
– A senhora então é mãe solteira?
– Mas vou me casar com José!
– Quem é José?
– Eu mesmo.
– José de quê?
– Só José, ainda não inventaram os sobrenomes.
– Afinal de contas, quem é o pai da criança?
– O Espírito Santo de Deus.
– E ele está aqui também?
– Em toda parte.
– Mas eu não posso botar o nome dele no lugar do pai!
– E o de José?
– Mas ele não é o pai!
– Olha, a minha intenção nunca foi difamá-la.
– Vamos fazer só com o nome da mãe. Quando a criança nasceu?
– Dia 25 de dezembro.
– Em pleno Natal?
– Pois é, foi o primeiro.
– Em Belém?
– A da Judeia, não a do Pará.
– E como vai se chamar a criança?
– Gesus.
– Gesus? Com G ou com J?
– Na verdade nem tem J em aramaico.
– Escreve o nome nesse papel em letra de forma.
– Assim?
– Isso. Bem, é um nome diferente, não é?
– Foi o nome que o anjo disse para colocar.
– Outra vez esse anjo. Certeza que ele não é o pai?
– Absoluta.
– Será que este nome não trará constrangimento para a criança?
– Mas por quê?
– Podem dizer “quem ele pensa que é para usar o nome de Jesus?”.
– Gesus.
– Ou isso.
– Não vejo problemas.
– Podem chamar Gesus de Genésio.
– Escuta, o anjo disse Gesus, e é Gesus que ele vai se chamar.
– Muito bem, quis apenas fazer o alerta. Aqui está o seu registro.
– Obrigada.
E foi apenas quando Maria já estava em casa que reparou que o nome da criança havia sido escrito com J, mas nunca mais voltou ao cartório para corrigi-lo, de maneira que nas gerações seguintes, e até os dias de hoje, é pelo nome de Jesus que a criança continua conhecida.