A sorte é que não tinha ninguém olhando no momento em que ele ressuscitou. A mãe, já cansada de tanto chorar, agora apenas contemplava, abatida, o piso gelado da capela mortuária. Havia alguém sentado logo ao lado dela, talvez uma tia, mas isso ele não tinha como afirmar. Na verdade, o seu ponto de vista, ali de dentro de um caixão, não era dos melhores. Tão logo percebeu o que estava acontecendo, tornou a fechar os olhos e a manter os membros rígidos. Precisava avaliar a situação.
Como todo mundo, ele também havia ouvido falar em pessoas que foram dadas como mortas, mas que não estavam mortas coisíssima nenhuma. Algumas só foram dar pela coisa depois de estarem sete palmos abaixo do solo, quando já era tarde demais. Ele, no entanto, ainda estava no velório e, se havia alguma coisa a se fazer, esta era a hora. Mas ele ainda hesitava em anunciar sua volta à vida, e não porque não desejasse viver, mas por temer as consequências deste ato que ele sabia extraordinário.
Como todo mundo, ele também havia ouvido falar em pessoas que foram dadas como mortas, mas que não estavam mortas coisíssima nenhuma.
Era um sujeito tímido, extremamente tímido, mal abria a boca, e toda a sua vida fora orientada de modo a não chamar a atenção de quem quer que fosse. Não seria ali que ele iria chamar os holofotes sobre si. É verdade que o simples fato de estar morto já chamava a atenção das pessoas, mas uma coisa é você ficar deitado, imóvel, de olhos fechados, enquanto as pessoas dão uma olhada em você, e outra, bem diferente, é se levantar do caixão no meio do velório. Isso certamente atrairia a atenção de todos ao mesmo tempo, e causaria tamanho pasmo que ele se sentiria obrigado a dar alguma explicação, mas ele nunca foi bom com as palavras, iria se atrapalhar todo, gaguejaria, ficaria vermelho, e sabe-se lá que coisas não pensariam a seu respeito antes que tudo se esclarecesse. Era muito mais seguro ficar ali, quietinho, escondido.
Mas é claro que ele não admitia para si mesmo que era o medo que o mantinha dentro de um caixão mesmo em condições de viver. Para ficar em paz com sua própria consciência, começou a acrescentar novas justificativas à sua decisão de ali permanecer. Isto é, será que realmente vale a pena viver, neste mundo marcado por tanto ódio, tantas guerras? Sem falar que o país está em crise, o preço do feijão está pela hora da morte. Procurava se apoiar em argumentos como esse, mas a verdade é que hesitava toda vez que ouvia alguém chorando em cima dele, e mais de uma vez lhe ocorreu o desejo de acabar com tudo aquilo.
Chegou até a aceitar a ideia de que causaria um escândalo na família, mas, na tentativa de imaginar o que poderia lhe acontecer em seguida, lembrou-se que um evento como esse certamente viraria notícia. Dezenas de repórteres iriam procurá-lo para saber qual é a sensação de voltar à vida. Se tem uma coisa que ele não queria era que o pegassem para Lázaro. Já podia até ver, ele viraria o assunto da cidade, de toda a região, por semanas a fio. A sua vida viraria um inferno, essa que é a verdade. Se pelo menos desse para fazer tudo às escondidas! Se só estivesse ali a sua mãe, ele sairia pulando daquele caixão, mas sair com toda aquela gente olhando era exigir demais dele.
Pode-se dizer que levou a indecisão até o túmulo. Quando fecharam a tampa do caixão, ele ficou um pouco mais relaxado, já não tinha ninguém olhando para ele, e foi talvez por isso que não se animou a gritar por ajuda enquanto o levavam ao cemitério. Escutou ainda muitos cantos, muitas rezas, e esteve a ponto de se fazer anunciar no momento em que ouviu o seu discurso de despedida. Mas era, sobretudo, um homem que sabia controlar os seus impulsos, e por isso permaneceu calado, não ousou fazer barulho nenhum até que todos tivessem se afastado. Soltou então um grande suspiro e relaxou os músculos. Já não precisava desempenhar nenhum papel. Virou-se de lado, fechou os olhos e descansou em paz.