Redescobri Curitiba na noite do último sábado através dos olhos de meu pai, que voltou ao Paraná após quase meio século. Nessas décadas todas, ele esteve inúmeras vezes na cidade onde passou a primeira juventude, casou-se e nasceu seu único filho, eu. A última dessas visitas, no entanto, foi há pouco mais de 17 anos, tempo suficiente para que se formasse em sua cabeça uma espécie de névoa espessa, que eu chamarei de dormência da memória, e não de esquecimento. “Meu Deus, está tudo tão diferente!”, repetia ele, pensando alto, com os olhos vidrados em uma paisagem que não reconhecia.
Talvez um pouco combalido por um dia inteiro de voos e esperas que o trouxeram de Ilhéus, no sul da Bahia, terra de Jorge Amado, sol intenso e praias infinitas, ele desembarcou entre as araucárias com uma mala em punho, o suficiente para iniciar um novo ciclo. Talvez de reconexão com um passado tão querido, e idealizado, quanto hoje impreciso em suas tantas lembranças embaralhadas. Veio para estar perto de mim, mas, também quero crer, de si mesmo, em mais uma parada de uma longa jornada.
Redescobri Curitiba na noite do último sábado através dos olhos de meu pai, que voltou ao Paraná após quase meio século. Nessas décadas todas, ele esteve inúmeras vezes na cidade onde passou a primeira juventude, casou-se e nasceu seu único filho, eu. A última dessas visitas, no entanto, foi há pouco mais de 17 anos, tempo suficiente para que se formasse em sua cabeça uma espécie de névoa espessa, que eu chamarei de dormência da memória, e não de esquecimento.
Ao passar pela casa para onde seus pais se mudaram na década de 1950, esquina das ruas Alferes Poli e Chile, no bairro Rebouças, ele não a reconheceu. Sim, ele sabia muito bem onde estava, mas de alguma forma o sobrado de dois andares, que ainda está de pé, pertence hoje a outro mundo e ele não conseguiu se reencontrar ali, não naquele instante de chegada, de recomeço. O imóvel transformou-se em lanchonete e ganhou cores vibrantes, que chamam a atenção no escuro para atrair o público que sai faminto de um centro universitário ali perto. Pouco ou nada tem a ver com a sobriedade confortável que ele guardava em suas reminiscências.
Tento imaginar, sem muito sucesso, como ele se sente. Chego a tocar com as pontas dos dedos essa confusão de tempos, que se materializam em comentários que misturam pesar e fascinação, em um olhar que se turva, emocionado, para se dissolver em uma piada sobre si mesmo.
Aquela esquina de sua adolescência, onde namorava com minha mãe sob olhos atentos de meus quatro avós, tornou-se uma dobra no tempo. Curitiba também virou essa esquina em sua história de quase 80 anos. Na manhã de ontem, menos de 48 horas depois de desembarcar no Aeroporto Afonso Pena, ele deixou escapar que começa a compreender melhor esse retorno. A névoa se move.