Duvido um tanto do saudosismo, enquanto reviro uma caixa de sapatos, que guarda fotos de família. Há outras, umas quatro ou cinco, repletas de imagens desorganizadas. Não há nelas uma lógica temporal, já que décadas se misturam em um turbilhão caótico de cliques que, em vão, eu já tentei organizar, mas nunca consegui.
A narrativa é quase sempre a mesma. Movido pela curiosidade, abro uma das caixas e, sem qualquer método, vou mergulhando nessas lembranças, algumas minhas, outras de décadas antes de meu nascimento, mas acabo quase sempre travando, imobilizado por um misto de melancolia e nostalgia que termina por me entristecer, porque, de certa forma, percebo que o tempo leva tudo e, no fundo daquele oceano de lembranças, reside um silêncio incontornável.
Não há volta.
Vozes, risos, canções que pareço ouvir, fragmentos de conversas, olhares que me espiam do passado congelado, recortado nas fotos, são apenas ecos. Não demora muito e fecho as caixas e as guardo com cuidado, pois sei que, mais cedo ou mais tarde, retornarei a elas, como quem busca respostas.
Volto porque preciso, por alguma razão, revisitar essas imagens. Necessito da reconexão, desses pedaços de mim que não são todos meus. Reencontro meus avós bem mais jovens do que sou hoje. Tios, tias, primos distantes, pessoas de quem ouvi muito falar, e outros que nem consigo identificar, Não cheguei a conhecer pessoalmente a maioria dessas pessoas, mas elas integram minhas famílias, paterna e materna, e voam, diante dos meus olhos, como folhas ao vento de volta no tempo, rumo ao início do século 20.
Há uma imagem, em particular, que me emociona: nela, vejo meu avô paterno, Gilberto, em elegante terno branco, gravata e sapatos escuros, olhar enigmático. Nem alegre nem triste. No colo, meu pai, ainda bebê. Como era o primeiro de seus cinco filhos, todos homens, talvez não soubesse como segurar uma criança. Era jovem, com seus 20 e tantos anos, em 1938.
Há uma imagem, em particular, que me emociona: nela, vejo meu avô paterno, Gilberto, em elegante terno branco, gravata e sapatos escuros, olhar enigmático. Nem alegre nem triste. No colo, meu pai, ainda bebê. Como era o primeiro de seus cinco filhos, todos homens, talvez não soubesse como segurar uma criança.
Olho para aquele homem, com seu filho entre os braços, e penso em mim, descendente dos dois, a escrever sobre essa imagem 80 anos mais tarde. Hoje, por coincidência, estive com aquele bebê, hoje um senhor idoso que adora conhaque, vinho suave e Andrea Bocelli porque o tenor da Toscana o faz lembrar do seu avô materno, Pedro, um imigrante italiano que ouvia discos de ópera em casa, saudoso da pátria que deixou para trás.
Essa foto antiga, amarelada, os traz todos até mim e me leva até eles por alguns minutos. Até que eu a recoloque na caixa e retorne ao presente, a esse país que hoje me entristece porque parece não ter memória.