Uma parede de livros é um mar de possibilidades, mas também de inquietações. Há anos venho acumulando títulos em uma velocidade bem maior (ou seria ambiciosa?) do que sou capaz de lê-los. Mas confesso que a certeza de que estão aqui, perto de mim, ao alcance dos olhos, e das mãos, proporciona de certa forma uma sensação de conforto. Os vejo como simbólicas boias salva-vidas, capazes de me resgatar um dia, quando estiver mergulhado em algum estado de necessidade existencial de emergência.
Minha relação com livros, pelo que me lembro, se iniciou muito cedo, na primeira infância, e meio ao acaso. Na casa de uma tia-avó, enquanto passava as férias em Curitiba, descobri uma estante atrás de uma porta que eu nunca tinha aberto. Como tanto tia Helena (Hely, como a chamávamos) quanto sua filha, Rose, prima e quase irmã de minha mãe, eram formadas em Música e professoras de piano, elas guardavam nessa espécie de pequena biblioteca escondida volumes antigos contendo biografias de grandes compositores: Bach, Beethoven e outros, pelo que me lembro.
Livros de capa dura, ilustrados, com textos biográficos acessíveis, talvez até escritos para crianças, que me fascinaram tanto que depois fui procurar LPs para ouvir como trilha sonora para minhas leituras de férias. Voltei para o Rio de Janeiro, onde eu morava naquela época, transformado.
Uma parede de livros é um mar de possibilidades, mas também de inquietações. Há anos venho acumulando títulos em uma velocidade bem maior (ou seria ambiciosa?) do que sou capaz de lê-los. Mas confesso que a certeza de que estão aqui, perto de mim, ao alcance dos olhos, e das mãos, proporciona de certa forma uma sensação de conforto.
Pouco depois, lembro-me de uma caixa de papelão que chegou de São Paulo, trazida de carro pelo meu pai a mando de seus parentes de Campinas: eram livros infantojuvenis que foram passando de mão em mão até caírem nas minhas. Em comum, muitos tinham a autora, uma mulher que tinha dois nomes, o que me confundiu no começo. Alguns eram assinados pela também paulista Maria José Dupré e outros pela Sra. Leandro Dupré. Já no início dos anos 1970, causou-me bastante estranhamento que uma escritora assinasse sua obra com o nome do marido – nunca entendi muito bem por quê. Dela, li toda a coleção protagonizada pelo Cachorrinho Samba, escritos entre 1949 e 1966, A Ilha Perdida (1945), A Montanha Encantada (1949), todos encantadores,e o bem mais adulto e tristíssimo Éramos Seis (1943), sem perceber que muitas daquelas obras haviam sido lidas pela geração dos meus pais e tios, e chegavam até mim como uma espécie de herança familiar. Uma benção! Quando me dei conta, estar perto de livros havia se tornado, para mim, um antídoto contra a solidão de filho único.
Hoje, como jornalista e professor, percebo que ler no Brasil não é um hábito compartilhado por muitos. Ter livros em casa ainda é, infelizmente, um privilégio (palavrinha horrível!) de poucas famílias, mesmo passados mais de 40 anos desde minha infância. E não se trata apenas de uma questão socioeconômica, temo dizer. A leitura não está, até hoje, no cotidiano de boa parte dos brasileiros, mesmo daqueles que têm acesso à educação, porque há uma escassez de políticas públicas capazes de fazer as bibliotecas se multiplicarem, de baratear os títulos e tornar o ato de ler algo ao mesmo tempo mais atraente e banal, no melhor sentido da expressão.
Volto a pensar nos livros que não li e me olham, inquisidores, da estante, neste exato instante. Confesso que fico um tanto angustiado. Tenho consciência de que não haverá tempo para tudo, mas não faz mal, não. Tive muita sorte de aprender muito cedo que quem lê nunca está só e muito mais próximo de sua própria verdade, seja ela qual for. Ando devagar, porque já tive pressa…