Passados alguns dias desde que assisti, em uma sessão praticamente lotada, a Os Últimos Jedi, oitavo episódio da saga Star Wars, cheguei à conclusão de que, mais do que uma resenha, eu gostaria mesmo é de escrever uma crônica sobre o filme. Portanto, não leia este texto achando que será uma crítica convencional. Não é.
Tinha percebido, já em O Despertar da Força, lançado há dois anos, que minha relação com o universo criado por George Lucas passa ao largo da objetividade necessária para produzir textos capazes de avaliar, com algum distanciamento, os longas-metragens da franquia, seja do ponto de vista estético, técnico ou mesmo narrativo. Ser fã é uma limitação incontornável, neste caso.
Quando o Episódio IV: A Nova Esperança chegou aos cinemas, em 1977, no Brasil com o título de Guerra nas Estrelas, eu tinha 12 anos e fui sozinho ver o filme no monumental Cine Vitória, à Rua Barão do Rio Branco, em Curitiba. Confesso que saí da sessão um tanto perturbado pelo que vi. Não estava preparado para ser transportado a uma galáxia tão distante e não tinha as referências necessárias para assimilar, naquela idade, toda a explosão de significados contida no longa-metragem fundador da saga.
Lembro, no entanto, que, mesmo perplexo, e um pouco confuso com aquele conto de fadas espacial, disfarçado de ficção científica, que aos poucos se desenhava na gigantesca tela do Vitória, uma imagem me arrepiou, embora não entendesse muito bem por quê.
Ainda em Tattoine, planeta onde foi criado por quem acredita serem seus tios, o protagonista Luke Skywalker (Mark Hamill), tomado pela dúvida ao receber o chamado para sua Jornada do Herói, que o coloca em movimento para cumprir o seu destino, olha fixamente o céu onde se veem, no horizonte, dois corpos celestes, simultaneamente. Sol e Lua, se estivesse na Terra. Mas não está. Tudo isso ao som da hoje clássica trilha sonora de John Williams.
Gosto de acreditar que, embora toda a saga criada por Lucas gire em torno do embate entre o bem o mal, luz e escuridão, esse momento sintetiza algo fundamental em Luke: a ambiguidade, traço que ele carrega dentro de si mesmo quando é muito jovem para ter consciência disso.
A gritaria em torno do fenecimento de Luke por parte dos fãs mais aguerridos denota, além de um inconformismo juvenil, o imenso apego à certeza de que, mesmo ausente, ele sempre estaria ali, como um norte para toda a saga.
Ao longo de toda a sua existência, que chega a um desfecho arrebatador em Os Últimos Jedi, 40 anos após a estreia de Guerra nas Estrelas, Luke transita entre essas duas faces de uma mesma moeda. E ele é um personagem fundamentalmente atormentado, mais uma vez, instigado a colocar-se em movimento: seu pai, o nefasto Darth Vader/Anakin Skywalker morreu, mas o sobrinho, Kylo Ren (Adam Driver), filho da irmã Leia Organa (Carrie Fisher) e do amigo Han Solo (Harrison Ford), rendeu-se ao mal, ao lado escuro da Força, e ameaça a harmonia do universo, pelo jeito, após oito filmes, uma utopia pela qual é nobre lutar, mas inalcançável.
O último ato de Luke, que não cabe aqui descrever em detalhes, retoma de forma ainda mais profunda o caráter ambíguo desse herói tão perene no imaginário do público, e que se reflete nos demais personagens da saga, em especial os novos, todos no fio da navalha e falíveis, fraturados. Ele é hesitação, mas também certeza; corpo físico e espiritualidade, ao ponto de estar em dois lugares ao mesmo tempo neste oitavo episódio. Porque, no fim das contas, sempre foi dois, duplo, iluminação e trevas.
A gritaria em torno do fenecimento de Luke por parte dos fãs mais aguerridos denota, além de um inconformismo juvenil, o imenso apego à certeza de que, mesmo ausente, ele sempre estaria ali, como um norte para toda a saga. Talvez, por isso, o desenlace de Os Últimos Jedi, sob a direção original de Rian Johnson, seja tão potente e corajoso. Luke deve morrer, como todos nós, e seu desaparecimento é o que há de mais belo no filme. É, para mim, o fim de uma era, iniciada há quatro décadas no Cine Vitória.