Iago, batizado sem que seus pais tivessem ouvido falar do maquiavélico personagem de Otelo, tornou-se um cínico implacável nos últimos tempos. Não é capaz das maldades calculadas e destruidoras de seu homônimo shakespeariano, é preciso dizer, mas o amargor, disfarçado de humor pontiagudo, tem incomodado muitos que o cercam, embora bem poucos tenham coragem de admitir diante dele, talvez na esperança de que ele se lave desse unguento acre e incômodo.
A boca pequena, comentam que não entendem o porquê de tanta ironia concentrada, despejada no mundo sem muito método, intoxicando quem estiver a seu alcance. Escárnio em doses cavalares parece circular em suas veias e ele não se contém: até as mazelas de quem teoricamente gosta se transformam em munição para sua artilharia verbal. Viram assunto para chistes, farpas desnecessárias disparadas a esmo.
O cinismo de Iago, mais do que uma ponta de lança forjada e afiada com o intuito de ferir alguém de morte, se assemelha mais a uma espécie de armadura desenvolvida por meio do espessamento de sua pele muito sensível, em vários sentidos. As dores do mundo, que todos carregamos em maior ou menor medida, talvez tenham lhe ultrapassado os limites. Desse sofrimento que sempre relutou em assumir em público, temendo a fragilidade decorrente do excesso de pena que dele pudessem sentir, fez de Iago uma usina de espinhos.
“As dores do mundo, que todos carregamos em maior ou menor medida, talvez tenham lhe ultrapassado os limites.”
Sim, Iago tornou-se um porco-espinho, como aqueles que integram muitos brasões medievais, simbolizando a preocupação com o futuro, para o qual ele agora caminha revestido desse escudo perfurante. Assim ninguém chega muito perto, o deixam em paz. Se tudo for imperfeito, banal e desnecessário, como ele insiste, viver torna-se de certa forma mais suportável. Felicidade, afinal, não é fácil.