Remexe nos bolsos, em busca do papel. Deixou cair? Talvez. Havia rabiscado uns versos em uma folha de caderno. Dobrou e achou estavam salvos, guardados. Deve ter perdido enquanto pegava as moedas para completar o dinheiro do ônibus. Vivia fazendo isso: tentava registrar ideias que surgiam do nada, e não queria que se desmanchassem. Mas acabava as largando no mundo, nas calçadas, em cantos do seu cotidiano que pareciam ter fome do que escrevia e engoliam tudo.
Era um poeta sem obra.
Desatento, atrapalhado. Ele sabia que era assim. Fazer o quê? Talvez alguém lesse, achasse bonito e guardasse o poema que deixou escorrer pelo chão. Já teria servido para alguma coisa!
O moleque gostava de escrever, mas nunca era algo planejado, com horário marcado. A inspiração despencava sobre sua cabeça como chuva. Às vezes uma garoa, fina, daquelas que encharcam aos poucos, gelam a alma, fazem o queixo bater.
Só que também podia vir com força de tempestade de verão, pingos duros, que doíam na pele. Às vezes até granizo. Vingança de um céu inclemente, saturado. Daí a escrita saía mais raivosa, sanguínea, quase com ira. Também era bom assim! Precisava desabafar e deixava tudo verter, inundar.
Era como se ele fosse mais de um, mudando, escrevendo de lugares diferentes, materializando em textos emoções que podiam acariciar, com palavras bonitas, imagens doces, suaves. Só que elas também podiam vir afiadas, cortantes, com toda a crueldade que sentia brotar de repente, sabe Deus de onde.
Aquele poema ele escreveu pensando em alguém de quem gostava muito. Mas tinha desaparecido no mundo sem avisar. Quando ele se deu conta tinha sumido, como os versos que evaporaram de seu bolso. Do nada. Para o nada.
Fechou os olhos, se concentrou e tentou lembrar do que havia escrito. Via apenas a imagem daquele último adeus que não sabia ser definitivo. Era apenas um até logo, acreditava. Virara a esquina, depois mais nada. Acabou.
Era como se ele fosse mais de um, mudando, escrevendo de lugares diferentes, materializando em textos emoções que podiam acariciar, com palavras bonitas, imagens doces, suaves. Só que elas também podiam vir afiadas, cortantes, com toda a crueldade que sentia brotar de repente, sabe Deus de onde.
Catou um lápis na gaveta e pôs-se a escrever uma carta nem que fosse para não mandar. Uma despedida em prosa, virando seu coração do avesso, como ventania, quase outro poema. A mão esquerda (era canhoto) chegou a doer. Daí ele dobrou as folhas e as pôs no bolso da camisa, bem perto do peito. Ficariam ali, por enquanto.