Há palavras que enganam. São imprecisas, como afagos que escondem intenções obscuras, por vezes até perversas. Nem tudo que é dito deve ser tomado como expressão da verdade, em tempos nos quais a deturpação é prática corrente tanto no âmbito da vida privada quanto da pública. Fala-se tanto, o tempo todo, para tão pouco de fato ser dito de concreto, significativo. O vazio se transfigura em letras, capazes de traduzir pensamentos até complexos, mas não necessariamente honestos.
Ando confiando mais em gestos e olhares, em pequenos toques físicos, manifestações de pessoalidade que, em muitos momentos, tiram a importância das palavras – logo eu, que tanto as amo, e delas me sirvo para meus ofícios e expressão de sentimentos mais profundos, ando um pouco descrente de seu real valor nos dias de hoje.
Agridoce ironia! Nem tudo, porém, está perdido. Reaprender a olhar o mundo por outros canais, que não apenas os da razão e do intelecto, pode ser libertador.
Estive há pouco mais de uma semana, durante os dias de carnaval, no Psicodália, festival artístico-cultural que acontece todos os anos no município de Rio Negrinho, em Santa Catarina. De sexta a quarta-feira, milhares de pessoas, de diversas faixas etárias, vindas de diferentes regiões do país, se congregaram para celebrar os sentidos em uma fazenda, que se transforma em uma espécie de universo paralelo, onde celulares pegam muito mal até se tornarem dispensáveis, e tudo de mais subjetivo, intuitivo, se potencialize numa experiência difícil de descrever. As palavras não dão conta.
O Psicodália, pelo menos da forma como eu o vivenciei, é uma experiência única para quem anda cansado da lógica cartesiana do dia a dia, dentro da qual tudo se encadeia por uma razão por vezes artificial, ditada pela praticidade e não por necessidades essenciais, mais sensíveis.
O Psicodália, pelo menos da forma como eu o vivenciei, é uma experiência única para quem anda cansado da lógica cartesiana do dia a dia, dentro da qual tudo se encadeia por uma razão por vezes artificial, ditada pela praticidade e não por necessidades essenciais, mais sensíveis. A despeito da inegável qualidade do cardápio musical servido – que neste ano incluía da diva Elza Soares à revelação Letrux, passando por Tom Zé, Hermeto Pascoal e Xênia França -, o melhor do festival são as pessoas, é o que ele proporciona em termos de vivências, imagens e encontros. Discursos estéticos, enfim, que se utilizam também das palavras, mas não são delas dependentes. São da ordem do corpo e da alma, a serem digeridas aos poucos, e guardadas como um tesouro. Para sempre, na memória.