Há vários tipos de cegueira. A literal, que pode ter diversas causas, fisiológicas e até emocionais, impede a visão. Alguns nascem assim e, para outros, o mundo se apaga, mas não sua percepção pelos demais sentidos. Conheço cegos que gritam luz, tamanha a sensibilidade que demonstram diante do que sentem, tocam, ouvem, degustam e farejam. Ainda que não consigam enxergar por meio dos olhos, eles e elas mantêm-se acesos, atentos aos movimentos ao seu redor.
Escuridão mais profunda é a que veda a razão, a murando com tijolos de certezas que bloqueiam a visão do que está a um palmo adiante do nariz. Essa arrogância de tudo julgar saber, e nada querer ouvir que desafie suas crenças, transforma esses cegos metafóricos em seres opressores. Mãos transformam-se em armas e palavras em tiros, flechas, pedras. Defendem a pena capital para quem os contrarie. Juntos, em manada, querem pisotear.
Escuridão mais profunda é a que veda a razão, a murando com tijolos de certezas que bloqueiam a visão do que está a um palmo adiante do nariz. Essa arrogância de tudo julgar saber, e nada querer ouvir que desafie suas crenças, transforma esses cegos metafóricos em seres opressores.
Não me recordo de o Brasil ter vivido um período tão estranho quanto o que o país atravessa hoje. Tempos sombrios de intolerância crônica, nos quais mais valem para muitos as pseudoverdades lançadas ao vento por um falso messias belicoso, cruel e preconceituoso, do que evidências científicas, a realidade dos fatos.
Penso em Glauber Rocha e em sua obra-prima Terra em Transe, uma alegoria que, em 1967, previa o Ato Institucional nº 5 do ano seguinte, a supressão da liberdade de expressão, o endurecimento do autoritarismo, o desvario em uma nação da América Latina. Sem poupar ninguém, nem as diferentes correntes da chamada esquerda de seu tempo, nosso cineasta maior hoje se revela mais profético e visionário do que nunca quando criou Eldorado, o país fictício de seu filme, liderado à mão de ferro pelo líder conservador e delirante Porfírio Diaz, vivido pelo extraordinário Paulo Autran, que põe o país a perder.
Qualquer semelhança não parece ser mera coincidência.