Através da janela, vê-se a cidade sob um sisudo céu nublado, cinza-claro, do qual cai uma chuva fina e intermitente. O inverno se instalou na última noite em Curitiba como um parente que retorna à casa. Cansado, não fez muita cerimônia e refestelou-se sem pedir licença. O hóspede invernal, nestes tempos pandêmicos, nos convida ao silêncio, à introspecção.
A cidade, embora os mais solares possam discordar, combina com o frio e a contenção de movimentos e gestos que ele sugere. A comunicação se dá por olhares de soslaio, tímidos, porém curiosos, investigadores. Engana-se quem julga os curitibanos indiferentes – não o somos. A contenção não é indiferença. Muito pelo contrário: é água represada, que por vezes se rebela, e também pode ferver em sua aparente frieza e placidez.
A chegada do inverno, a segunda desde o início da pandemia, assusta um tanto. Ambientes fechados, com menos circulação de ar, facilitam a circulação do vírus, um invasor que se recusa a partir e torna o ar mais carregado de respirações. De uma tensão que já não cede, a ponto de ter se tornado um pouco familiar, uma espécie de inimigo íntimo.
O inverno se instalou na última noite em Curitiba como um parente que retorna à casa. Cansado, não fez muita cerimônia e refestelou-se sem pedir licença.
Este inverno de descontentamento, inevitável por conta do clima de incertezas em que estamos imersos, fez uma entrada mais sorrateira neste ano. Mal o percebemos chegar e, quando nos demos conta, estava instalado, com os pés para cima, olhos fixos a nos mirar, um esboço de sorriso irônico, como se estivesse a dizer: “Estou aqui, aproveitem!”. Ares de quem se sente um pouco dono da casa.
O céu coalhado de nuvens, essa umidade gelada tão familiar e a quase óbvia introversão que, acompanhada de tudo isso, convidam ao olhar que se internaliza, em busca de reflexão. Na Curitiba, por vezes tão ensimesmada, subjetiva, eu me sinto confortável, mesmo um pouco relutante.
O hóspede ressona no quarto ao lado e esse som se funde à chuva.