O autoritarismo é uma brasa dormente, muito próxima à superfície, em países sem grande tradição democrática como o Brasil. A lei do mais forte, do “pode mais quem grita mais alto”, embora se finja de morta em ambientes mais, digamos, civilizados, intelectualmente sofisticados, vem à tona mediante qualquer desafio ou estímulo. Basta que os detentores do poder sejam desafiados, questionados em sua posição homogênea, para que logo percam a linha e logo soltem um “Sabe com quem está falando?”, espécie de mantra do patriarcado eternizado na terra brasilis.
Os excessos de autoridade estão presentes nas relações mais cotidianas e se manifestam no país até mesmo no comportamento de quem um dia já foi, ou ainda é, oprimido, por meio de um círculo vicioso, que replica práticas perversas, cruéis. Nossa cultura não nos ensina a lidar com o poder. Há uma tendência, em parte humana, mas certamente muito cultural, de o brasileiro incorporar esse “puder” como se nosso fosse, de direito, desde sempre. Separar o público do privado, o profissional do pessoal, não é, já dizia o historiador Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil, nem nunca foi um traço de nossa identidade.
Para que dê às caras essa face sombria do que carregamos em nosso DNA cultural, basta observar o comportamento de alguém com súbito poder decisório. Pode ser um síndico de prédio, um guarda municipal, um professor, um empresário ou um editor de primeira viagem (vi isso acontecer tantas e tantas vezes em minha carreira de jornalista!). O médico vira monstro.
Os excessos de autoridade estão presentes nas relações mais cotidianas e se manifestam no Brasil até mesmo no comportamento de quem um dia já foi, ou ainda é, oprimido, por meio de um círculo vicioso, que replica práticas perversas, cruéis. Nossa cultura não nos ensina a lidar com o poder.
As pessoas por vezes se transformam, lambuzando-se com o mel de poder mandar, perdendo a mão, e cometendo atitudes tão arbitrárias quanto patéticas, porque revelam despreparo psíquico para ocupar essa posição. Não se trata de falta de competência técnica, ou de talento. Esses por vezes sobram. É algo mais profundo, enraizado, que muito tem a ver com estarmos, desde os tempos coloniais, imersos em uma sociedade na qual poucos têm muitos privilégios e qualquer possibilidade de acesso “à área nobre”, “à Zona Sul”, como se diz no Rio de Janeiro, deve ser agarrada a unhas e dentes, custe o que custar, literal ou figurativamente.
Portanto, não é tão difícil compreender por que figuras que representam autoridade, às vezes de forma tosca, que nem de perto inspiram respeito (não confundir com medo!), sejam tão aduladas, mitificadas entre nós. Seja no Planalto Central, no prédio ao lado, e até mesmo em nosso círculo mais próximo, e pouco importa se são de direita ou esquerda, potenciais ditadores emergem, com o dedo em riste, mais do que prontos para comandar o regimento, dar ordens e se entorpecerem em praça pública com essa droga inebriante chamada poder, por menor que ele seja.