A cidade de São Paulo e a ilha distópica do filme Fuga de Los Angeles, de John Carpenter, sempre se aproximaram no meu imaginário. O lugar hostil foi construído para mim pelas letras dos Racionais MC’s, por filmes como Carandiru, O Invasor, O Bandido da Luz Vermelha e Cidade Oculta, por livros como Rota 66 e reportagens de agressões a gays e nordestinos, trânsito calamitoso, falta de água e pessoas fazendo piqueniques no Minhocão desativado. Figuras horrendas, descendentes de italianos orelhudos e narigudos, com bigode e rosto ossudo ostentando o barrete policial cinzento, a bandeira com suas listras negras que evocavam toda a ausência de bons sentimentos. “Não existe amor em SP”, cantava Criolo, quase na mesma época em que Dois Coelhos explodiu nos cinemas, a tentativa de se fazer um Guy Ritchie paulistano que unificava camadas sociais sob a ubiquidade da violência. Uma cidade cara, onde se trabalha demais, inchada, agressiva e muito pouco democrática em suas opções de lazer.
Não sei se foi o espírito lentamente assentado em Curitiba, a epokhé da idade ou o que mais, fato é que, de uns tempos pra cá, São Paulo tem me apresentado de maneira mais simpática. Uma cidade perdida em si mesma, labiríntica para as almas opacas, a capital paulista guarda em si a capacidade de ser recortada infinitamente a partir de sua realidade subjetiva. Suas incontáveis opções de consumo permitem que ela seja, dentro de um âmbito capitalista de normalidade, a cidade que se queira fazer dela. São Paulo é passiva às interpretações, tem mais tons de cinza do que um arco-íris colorido. É antídoto vívido para a modorra, esconderijo para o sofrimento, anonimato para a indiscrição. A programação cultural extensa e os muitos amigos que fiz por lá derrubam dia a dia a construção social da rivalidade entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo que lavam miolos de gerações inteiras. Pessoas do Rio já me disseram que o paulistano é muito bobão – em oposição a quê? Uma malandragem tóxica que insiste em tirar vantagem dos outros? Encontrei poucos, mas bons corações em São Paulo.
São Paulo é passiva às interpretações, tem mais tons de cinza do que um arco-íris colorido. É antídoto vívido para a modorra, esconderijo para o sofrimento, anonimato para a indiscrição.
Há uma grande distância entre sentir-se bem em um lugar que se visita e sentir-se bem em um lugar onde se mora. Sei que ainda prefiro viver bem com pouco do que ter um pouco mais e me espremer entre o custo de vida paulistano. Curitiba ainda é minha casa e nem de longe sinto a urgência dos patrícios de escapulir com velocidade daqui, de modo que São Paulo ainda é uma cidade hostil e distante, mas que acena com um sorriso cada vez mais convincente.