Há uma padaria dessas chiquetosas no meio do caminho entre minha casa e o ponto de ônibus onde pego todos os dias a condução para o trabalho. O estabelecimento, que tem ares de boulangerie francesa, combina com a região nobre do bairro, de onde meu prédio desponta como um convidado indesejado em uma festa de gala. Não apenas isso, é providencial para os atrasos quase diários com que saio de casa, já que aparentemente a noção de tempo é difusa pela manhã.
O que retiro para meu café da manhã apressado é sempre a mesma coisa: dois croissants de queijo e presunto e uma água mineral. A atendente do caixa sequer confere mais o que eu estou levando, já confia na minha previsibilidade de atrasado porque sabe que a última coisa que eu precisaria para tentar recuperar os minutos em que passei divagando no chuveiro é um momento de indecisão ante outras opções de café da manhã. Não há criatividade de escolha em emergências como essa.
O que vem a seguir é o que eu queria contar: preciso comer meu café da manhã no caminho entre a padaria e o ponto de ônibus, a segunda metade do trajeto inconvenientemente longo enquanto meio para um fim. Três meias ruas e uma pequena ruela inteira em forma de S que desço com meus croissants na boca, tal qual um assistente da Meryl Streep em seu primeiro dia na grande cidade. A imagem da falta de controle sobre o próprio tempo, a gulodice peripatética explicitada em passos largos rumo à estação tubo. Não reparo em quem passa por mim, mas não duvido que um transeunte contumaz da mesma hora do dia me considere um figurante para seu show de truman, bidimensional em todo meu ser, o Yuri sem metafísica que uma tabacaria poderia comportar. Sempre o mesmo sujeito comendo croissants apressado para o trabalho. Raso, caricaturalmente atrasado, um espetáculo das manhãs no Cristo Rei.
O que vem a seguir é o que eu queria contar: preciso comer meu café da manhã no caminho entre a padaria e o ponto de ônibus, a segunda metade do trajeto inconvenientemente longo enquanto meio para um fim. Três meias ruas e uma pequena ruela inteira em forma de S que desço com meus croissants na boca, tal qual um assistente da Meryl Streep em seu primeiro dia na grande cidade.
Conheci certa vez um italiano de Milão que tinha verdadeiro pavor de comer andando. A única vez em que pegamos um panzerotto no Luini (ótimo gosto, péssimo para o fígado), ele praguejou com vontade por dois quarteirões como se aquilo fosse um ultraje a tudo o que conquistou como ser humano até hoje, uma violação grave de seus direitos humanos. Eu, por minha vez, tenho uma tolerância muito maior a essa prática, em parte pela má administração do tempo a que eu me submeto todos os dias, em parte pela minha adolescência rueira.
Encaro bem ruas que me servem de mesa de café da manhã, a mesma lixeirinha cuidadosamente instalada do lado das caçambas de lixo para descarte de fezes de animas que uso para me livrar das embalagens pelo caminho, as ruas que viro distraidamente enquanto me concentro em desjejuar, a estação tubo em que adentro dando as últimas mastigadas e a cobradora para quem cometo diariamente a indelicadeza de responder um “bom dia” de boca cheia. A vida segue apressada, e a tapioca com suco de laranja na mesa é um luxo que os fins de semana guardam. Se o café da manhã é dos campeões? Não sei, não tenho tempo de pensar nisso agora, estou atrasado.