Na semana passada eu queria ter falado sobre a chuva, mas a neve dominou as conversas da cidade. O curitibano é assim, só se inflama para falar do frio, o único tópico capaz de romper a trincheira de introspecção que cava contra o mundo.
Pois bem, semana retrasada choveu pra caramba depois de um longo período seco. Reservatórios de água na cidade e região metropolitana ficaram vazios, um rodízio de racionamento precisou ser estabelecido e muita gente sofreu com a estiagem. Até que choveu sem parar. As ruas foram se alagando na medida em que a temperatura caía vertiginosamente. Disse na semana passada que o curitibano se jacta muito de seu frio, mas também mantém em doses controladas um chauvinismo da própria chuva (um chuvinismo?). Fotógrafos saem em meio às torrentes para fotografar os guarda chuvas abertos na Rua XV ou as calçadas molhadas do Largo da Ordem, o biarticulado jogando água de poça no passeio e os parques encharcados em seus jardins. Tudo é motivo para poesia, e todos cantam a beleza de viver em uma cidade que vê o sol pouco mais de oitenta dias por ano.
A verdadeira chuva curitibana não é essa de semanas. O que distingue a capital paranaense é seu clima randômico e abrupto.
Mas há um porém: o curitibano comemorou a chuva errada na semana que passou. A verdadeira chuva curitibana não é essa de semanas. O que distingue a capital paranaense é seu clima randômico e abrupto. O sol que brilha forte no céu quinze minutos antes de ficar de noite em plena tarde, a variação térmica de mais de 15 graus em menos de vinte e quatro horas, os vendedores de guarda-chuva que enchem os bolsos com o desespero dos desavisados. A chuva curitibana é súbita e violenta, vulcânica e imprevisível. Semanas chuvosas não são nossa marca, isso é coisa de verão litorâneo. Nosso céu é a tresloucada roleta do destino de São Pedro, nossa chuva é curta e de qualquer hora, qualquer dia, qualquer estação. A que alaga nossas vias despreparadas não por falta de vivência, que pega janelas abertas de surpresa, ventando para dentro das casas, forçando casacos em quem estava só de bermuda na rua. Nossas semanas chuvosas são todas as semanas, e todas têm muito sol envolvido.
O clima de Curitiba é como aquele bolero do Picassos Falsos: alguém que foge antes que o mundo possa lhe entender. Me digam vocês se há graça em acordar com chuva, botar galochas e casacos e voltar para casa no fim do dia usando a mesma roupa, preparado para o tempo do dia. Onde está a emoção em se programar e não ser surpreendido pelos céus? Que chova, Curitiba, mas não deixe a gente saber de antemão.