Há algum tempo, meu telefone celular estava apresentando problemas com a entrada do carregador. Passei alguns dias aflito diante do inevitável desembolso de quantias absurdas para resolver um problema de ordem tecnológica, restrito a um cada vez menor grupo de especialistas. Só descansei quando uma funcionária da assistência especializada me disse que aquilo era sujeira e removeu uma quantidade descomunal de algodão de roupa de dentro daquele pequeno buraquinho.
Depois que meu telefone voltou à boa forma, me vi subitamente de volta a um estado de tranquilidade que não sabia que tinha abandonado durante todos esses dias. Foi aí que percebi o quanto minha vida era o meu celular. Ele estava com problemas e me dava a sensação de que minha vida inteira estava com problemas. Ele fica com a bateria baixa e eu me sinto impelido a ir para casa, carregar as energias. O bem-estar do meu celular era o meu bem-estar. Por que estou falando no passado, como se isso já estivesse superado? O bem-estar do meu celular é o meu bem-estar. Dependo dele para trabalhar, para falar com quase todo mundo que eu conheço, para me informar e para compartilhar aspectos da minha vida com as pessoas. De fato, meu celular é minha vida. Que horror.
Posso me culpar até certo ponto por isso. Escolhi áreas de atuação que dependem de comunicação via internet e mantenho meus canais de comunicação atualizados ao longo do dia, todos os dias. Para além disso, a sociedade assim moldou as novas relações, então me tirem dessa conta. Tenho a impressão de que quase a totalidade das pessoas que reclamam do uso excessivo de celulares não dependem dele para trabalhar ou para entrar em contato com outras pessoas, e em nada se prejudicam por serem tecnologicamente atrasadas.
Foi aí que percebi o quanto minha vida era o meu celular. Ele estava com problemas e me dava a sensação de que minha vida inteira estava com problemas.
Que estamos vivendo cada vez mais uma realidade virtual, que as relações são menos duradouras que a vida útil de um telefone móvel, que estamos caminhando para o abismo tecnológico e que nada de humano restará em nosso dia-a-dia, que há um processo de emburrecimento coletivo graças à facilidade de se buscar qualquer tipo de informação no Google, que a coisa toda faz mais mal do que bem, que estamos desaprendendo a ficar sozinhos e que isso tem consequências psicológicas terríveis, ok.
Mas respeitem o enfermo.