A verdade é que ninguém sabe o que é a tal da crise da meia idade, mas isso não impede que todos passem no vestibular para inquisidor nesse tribunal. Qualquer desvio de uma vida adulta que se espera monolítica, monotemática, monótona e outros monos que a adjetivação em português não comporta é considerado o sintoma patético de uma não-resolução com a própria vida que, bem, já está resolvida para todo o resto da população, a julgar pela maneira como falam.
(Também ninguém diz com exatidão qual é a faixa etária que compreende a tal da meia idade, mas deixemos isso pra lá, por enquanto)
Digo isso porque alguém me acusou de estar sofrendo de tal crise ultimamente. A coisa das motos, a redescoberta do videogame de dezesseis bits, a vontade de fazer um som com os amigos hoje falam mais alto do que a ambição literária, a potência intelectual, aquela necessidade de me mostrar um homem sério, adulto, pensante que em alguns acomete de forma quase fatal (você já se deparou com alguém que você não consegue visualizar sem blazer?).
Não vou fazer a defesa intelectual desses gostos e dessas escolhas a essa altura da minha vida, mas apenas contrapor ao quê? Como alguém deve viver em sociedade depois de um certo tempo? Casamento, filhos, happy hour com os colegas de trabalho, churrasco fim de semana, a musiquinha do Fantástico badalando na cabeça como um corvo de Poe? Façam um favor a todos e me poupem dessa existência, pelo menos por enquanto.
Agora cá estou, à volta com meus charutos, minha motocicleta, meus vinhos e uísques e meu Super Mario Bros e lidando com a vida como posso. E digo que estou melhor do que jamais estive.
E como quem vê pinga não vê tombo, me pergunto onde vocês estavam quando resolvi me formar sommelier precocemente, quando me juntei por sete anos com outra pessoa, quando resolvi ler Nietzsche sem ter idade pra isso, quando, enfim, cometi todas as adultices inadequadas que deveriam ter dado lugar a farras inconsequentes, brigas de rua e uso de drogas pesadas? Ali não houve uma nota de agravo, um comentário maldosinho, um projeto de assinaturas no avaaz, nada. Agora que estou nos meus trinta, tenho um pouco de dinheiro, um pouco de tempo e um pouco de juventude, querem ser fiscais da derrocada. Ora bolas. Vem ano, vai ano, e nem toda a literatura de autoajuda, ética espinosana e parachoque de caminhão é capaz de deter o homo sapiens em sua implacável jornada rumo à total tutela da vida alheia.
Agora cá estou, à volta com meus charutos, minha motocicleta, meus vinhos e uísques e meu Super Mario Bros e lidando com a vida como posso. E digo que estou melhor do que jamais estive. A vida anda boa. Se é a crise de meia idade falando, já crio expectativas hiperbólicas pelas próximas crises existenciais. Nos vemos no próximo tribunal.