Passei quatro dias sem telefone na semana passada. Não é algo a qual as pessoas se sujeitem com facilidade, já que qualquer operadora de celular praticamente pode te dar um aparelho novo caso o seu seja perdido. Mas o meu caso era diferente: precisei levar o meu telemóvel novinho para a assistência técnica por conta de um defeito de fabricação e, pra piorar, é um aparelho de uma dessas marcas de almofadinha que não se importa muito como você vai se virar no mundo pós-globalizado sem um desses durante alguns dias, de modo que isso, somado ao fato de que não tenho telefone fixo, me deixou incomunicável de uma maneira bastante curiosa: não tinha telefone, mas tinha internet em casa. Era, enfim, a distopia temida pelos reacionários tecnológicos à época do advento da rede.
Devo confessar que a notícia de que ficaria sem celular muito me aborreceu. Estava esperando que colocassem um substituto genérico em minhas mãos para suprir a carência de gadgets que a essa altura já se encontra em todos os âmagos da urbe. Depois, resolvi encarar como uma experiência, uma volta à época da infância, em que essas coisas só existiam na ficção científica mais absurda. De modo que saí pelas ruas ciente do fato de que nunca me encontrariam caso algo se passasse. Avisei a meus pais e amigos que estaria sem telefone e alguns ficaram verdadeiramente indignados com uma condição que julgavam inaceitável para um comunicador, para quem os contatos profissionais e a resposta imediata são a chave para as contas em dia. Tentei argumentar que a coisa não era tão grave assim, já que o e-mail é um contato tão indispensável quanto o celular, e este ainda me restava, assim como meus perfis em diversas redes sociais.
Não foi tanto a dependência psicológica do aparelhinho que começou a me irritar, mas a minha própria estupidez evidenciada pela ausência da praticidade do celular. Marquei pelo Facebook de ir até a casa de uma amiga que mora há três quarteirões de casa para cortar o meu cabelo e me esqueci de que avisava pelo whatsapp toda vez que chegava até a portaria do prédio, de modo que nunca decorei o apartamento dela. Precisei voltar até em casa, ligar o computador e perguntar “Mas qual é o seu apartamento mesmo?”, coisa que seria resolvida com qualquer telefone móvel. Ou com qualquer porteiro.
“Pedir táxi, pasmem vocês, não é algo possível sem um telefone na cidade de Curitiba.”
Encontrar os amigos, só com hora marcada, como antigamente. Nada da flexibilidade de um “quando estiver saindo daqui te dou um toque”. Pedir táxi, pasmem vocês, não é algo possível sem um telefone na cidade de Curitiba. Pedir comida é mais trabalhoso, mas pelo menos era possível. Tirar fotos, por outro lado, não. As câmeras de smartphone estão tão boas que nunca vi a necessidade de comprar uma máquina digital. Nada de avisos na telinha informando que chegou e-mail ou que alguém me mandou uma mensagem pelo Facebook. A energia dispendida pensando no que era preciso levar antes de resolver sair de casa – endereços anotados, telefones de amigos (caso fosse preciso chegar a um orelhão), muito papel e caneta com a especificação certa das coisas que eu precisava comprar.
Para todos os efeitos, o isolamento social voluntário ao qual me submeto pela aversão saudável que sinto pelo mundo externo precisou ser quebrado em nome da sobrevivência, e a falta de celular me tornou uma pessoa muito mais ativa do que eu gostaria. Não descobri que sou dependente de telefone celular, mas talvez um pouco mal-acostumado. Mesmo assim, a sensação de que tive de quando peguei meu celular na assistência, quatro dias depois, foi de um completude e um certo alívio. Um alívio agoniante.