Esta é minha última crônica de 2018. É também um dos últimos dias de 2018, este em que publico esta crônica. Estivemos perto de nos sentirmos expatriados em nosso próprio terreno e de rejeitar toda forma de poder político que foi constituído à nossa revelia. Mas eis que, não mais que de repente, o rumo das eleições deste ano fez brotar em cada um de nós a vontade súbita de reivindicar os últimos dias desse ano terrível. Aquela avidez explicitada pelos anos de privação anunciados, o devir escuro como a meia-noite fez em meu coração o que a lua e o conhaque fizeram no coração do poeta. Esta é, portanto, a última crônica dos nossos dias.
Se não posso fazer como Dickens diante das duas cidades e estabelecer oximoros e frases contraditórias sobre esses tempos, que nem de longe foram os melhores ainda, mas talvez o serão em retrospecto, posso ao menos dizer que tentei. Tentei argumentar, tentei ser ponderado, tentei partir para a ignorância, tentei contemporizar depois da raiva, tentei com todas as minhas forças vestir a pele do próximo – mesmo quando esse próximo queria vestir a minha pele como um índio comanche em um filme de cavalaria –, tentei ser bom, tirano, desesperado, profético e desterradamente profético. Terminei apenas cansado. Cansado de tudo, cansado de todos, cansado de mim e cansado de vocês. Falhou a argumentação e a sensibilidade. Restou a ignomínia e o precoce saudosismo com que lembrarei dos dias em que vocês não eram tão desavergonhadamente inumanos.
Esta é minha última crônica de 2018. É também um dos últimos dias de 2018, este em que publico esta crônica. Estivemos perto de nos sentirmos expatriados em nosso próprio terreno e de rejeitar toda forma de poder político que foi constituído à nossa revelia. Mas eis que, não mais que de repente, o rumo das eleições deste ano fez brotar em cada um de nós a vontade súbita de reivindicar os últimos dias desse ano terrível.
E, por favor, não me levem a mal. Quando digo “vocês” não me refiro senão a quem jamais lerá esse texto. Aos iletrados, ociosos da atividade intelectual, devotos das soluções fáceis, do deus ex-machina que lava nossos pecados, a esses gostaria de me dirigir – se fosse possível, o que não é. Resta esse ruído inaudível na galáxia que nos separa, na esperança de que algum big data ou algoritmo traga uma alma perdida para esse canto da internet, onde ainda pulsam cérebros.
Diante da derrota vindouros anos, me sinto impotente na estratégia e no proceder. Deixo aqui estas últimas palavras do ano de nossos dias para que lembremos de quando ainda éramos gente, unidos, que não enxergávamos o outro com desconfiança e asco, mas como um irmão e aliado em potencial na luta contra a desumanização da raça. Que este texto sirva não muito mais do que como fotografia em sépia, amarelada e gasta pelo tempo, por onde pudemos enxergar traços do que já fomos, quando não mais seremos nada. Voltaremos ano que vem, desfigurados como criações de Cronenberg, obcecados por valores perdidos como Gollum, algo que ficou pelo meio do caminho. Um abraço e até lá.