A mesma camisa vermelha no corpo ossudo e comprido do pai e na silhueta suave e debochada do filho. Os dois andam lado a lado e sentam-se à mesa para abrir uma conta. “Uma conta bancária para este menino”, diz, alegre. Em nada são parecidos, a não ser pela camisa. O menino se esforça para se distinguir da sobriedade do pai, e usa um boné displicentemente colocado sobre uma cabeleira vasta e clarificada, arrumada em uma longa franja que para um pouco acima dos seus olhos. Na camisa dos dois, o nome do pai e um número embaixo, que pode ser um telefone ou uma matrícula. Talvez trabalhe junto com ele, talvez esteja lhe ensinando um ofício. Talvez não tenha outra camisa para usar. Pode ser orgulho do pai, ou pode ser que o pai o obrigue para fazer propaganda de sua prestação de serviço, e ele não vê a hora de ser desassociado daquela figura dominante.
Ainda não está livre da presença paterna, não completamente. Seu contrato de conta terá de ser assinado pelos dois e sua vida financeira será mediada até que atinja a maioridade, mas ele parece se importar pouco com isso. Parece se importar pouco com pouca coisa, na verdade. Responde as perguntas do cadastro com uma desatenção irritante, e o pai o corrige entre a raiva e a vergonha, sempre exigindo que acorde para a vida ao final de cada resposta corrigida. Vê-se que é uma batalha perdida, o menino está presente em corpo, mas sua mente vagueia por sabe-se lá quais veredas dos sonhos esses millennials habitam hoje.
Vê-se que é uma batalha perdida, o menino está presente em corpo, mas sua mente vagueia por sabe-se lá quais veredas dos sonhos esses millennials habitam hoje.
A razão pela qual os dois estão ali logo se revela a quem quiser ver. É por causa do pai, que quer dar lições práticas da escola da vida para o filho letárgico e pronto para o fracasso burocrático do dia a dia. Pega a caneta e fala “aqui você tem que dar um visto. O meu visto é assim ó”, e faz voltas maravilhosas com uma esferográfica azul, incitando o menino a tentar algo parecido, mas este se limita a escrever o primeiro nome com a cultura gráfica de uma criança da terceira série. Responde mais algumas perguntas erradas, assina alguns documentos de maneira errada e se levanta da mesa sem esboçar nenhuma reação diferente da que apresentou ante o que bem pode ter sido seu primeiro vislumbre da vida adulta. O pai não. Tenta ainda, com gestos e perguntas genuinamente interessadas, mostrar para o filho como deve se portar diante de grandes corporações e instituições prementes do que provavelmente considera como uma vida de sucesso. Mas não esconde a frustração quando olha para o lado e vê o jovem desinteressado e com o olhar perdido ante a pilha de papeis que passou por suas mãos.
O menino não liga. Não se importa com a conta bancária, nem com o cartão que vai receber em poucos dias. Não é que não goste de dinheiro. Seu celular, boné, cabelo e brincos acusam contra um possível desapego materialista. Simplesmente não entende o que o pai tentou fazer por ele neste dia. O pai espera que a ficha caia. Mas não sabe o que fazer enquanto espera.