Conhecido pela sua obra ligada ao horror, o jovem escritor Raphael Montes envereda para o romance policial a partir de uma história intrigante: um trauma envolvendo uma protagonista mulher. Em A mulher no escuro, conhecemos a história de Victoria Bravo, que tem 24 anos e, quando criança, presenciou a morte de todos os seus familiares em um assassinato horrível – apenas ela sobrevive. Despedaçada pela tragédia, Victoria trabalha como garçonete em um café. É antissocial e busca viver de forma simples, com pouco contato humano. No entanto, quando menos espera, o passado bate à sua porta, e ela precisa enfrentá-lo.
Poucos gêneros literários parecem tão difíceis de renovar quanto o romance policial. O seu formato se fundamenta numa trama de intriga, que constrói uma tensão a partir de um mistério a ser resolvido. Quase sempre, o leitor é convidado a jogar um jogo: o de conectar as peças e descobrir o autor de um crime. Os cânones do gênero – gente como Agatha Christie e Raymond Chandler – estabeleceram as regras para esse tipo de literatura que, mesmo que não preze pela inovação, prioriza a habilidade de engajar o leitor num trabalho sedutor de investigação.
Nesse sentido, não dá para dizer que A mulher no escuro renova o formato policial – e também nem pretende. Se há alguma oxigenação no gênero, está no ar contemporâneo dado à trama, repleta de referências à cultura pop (que vão de Queen a David Bowie) que tentam dialogar com um leitor mais jovem. De fato, não somos acostumados a ver tramas policiais protagonizadas por mulheres – e Victoria Bravo, repleta de traumas, sem dúvida, é uma boa personagem, capaz de nos fazer sentir próximos a ela e aos seus dramas. Quebrada pela própria trajetória, Victoria é frágil, algo misantropa (parece não gostar de conviver com pessoas em geral), e está compreensivelmente desconfiada sobre tudo em seu entorno. Quando o assassino de sua família parece se aproximar dela, a tensão se estabelece: será que Santiago, o adolescente que matou seus pais e seu irmão, está ao seu redor? E como ele estaria hoje?
A acessibilidade do livro traz um elemento que talvez soe como um defeito para parte dos leitores, especialmente os mais familiarizados com o gênero policial. As escolhas textuais de Montes parecem, em certos momentos, excessivamente infantilizadas.
A mulher no escuro é uma leitura envolvente, que diverte o leitor e o leva com facilidade até o fim do livro, em busca de uma resposta: onde está Santiago? A partir da narrativa construída sob a ótica da protagonista, Raphael Montes é bem-sucedido na estratégia de nos transportar aos dramas psicológicos que acercam Victoria – por exemplo, seu alcoolismo, sua paranoia e sua incapacidade de acreditar nos outros. Conseguimos nos colocar na pele de uma moça sofrida, cercada por fantasmas criadas pelo trauma, e que de fato se sente no escuro, sem saber em quem confiar. É, em certa medida, um romance de formação: aos poucos, vemos Victoria desabrochar e crescer, pressionada pelo próprio crime que a definiu.
Há boas surpresas na trama – quando menos se espera, novas informações surgem nas páginas que nos dão pequenos sustos, e nos fazem entender melhor os problemas da protagonista. Uma das características do romance é que as cartas são postas à mesa: sabemos, desde o início, que o assassino é um dos indivíduos que cercam Victoria, mas somos levados a procurar pistas para desvendar quem estaria mentindo à moça e, consequentemente, a nós (lembra, nesse aspecto, o clássico Assassinato no Expresso Oriente, de Agatha Christie).
A acessibilidade do livro, por outro lado, traz um elemento que talvez soe como um defeito para parte dos leitores, especialmente os mais familiarizados com o gênero policial. As escolhas textuais de Montes parecem, em certos momentos, exageradamente infantilizadas, apontando clichês indesejáveis a um autor experiente, ainda que jovem. Ou seja, A mulher no escuro soa um pouco como uma “introdução ao romance policial”, concretizado para leitores adolescentes – que, inclusive, podem encontrar uma conexão mais direta com Victoria e seus dramas. Em certos momentos do livro, este tom young adult parece excessivo: dá um pouco a sensação de estarmos lendo uma obra da antiga coleção Vagalume.
De todo modo, a obra tem o trunfo de prender o fôlego do leitor e envolvê-lo num mistério e desvendá-lo apenas bem no final, de uma forma totalmente inesperada. Se é verossímil ou não, isso já é outra discussão.
UMA MULHER NO ESCURO | Raphael Montes
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 256 págs.;
Lançamento: Maio, 2019.
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