2018 não foi um dos melhores anos para quem navega na internet. Depois do escândalo envolvendo a Cambridge Analytica e o Facebook e o vazamento de dados de usuários na rede social de Mark Zuckerberg, a popularização do termo fake news – que se tornou arroz com feijão na boca dos presidenciáveis – parece ter acabado com a credibilidade de jornalismo. Em certa medida, essa derrocada da grande mídia integra um projeto de descentralização da informação – algo utilizado na campanha que elegeu Trump e que, pasme, foi elaborada pela Cambridge Analytica com dados do Facebook – com base nos “fatos alternativos” e na “pós-verdade”, eufemismos para mentira ou inverdades.
Dois lançamentos recentes no Brasil tentam entender esse fenômeno. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos na era da fake news (Faro, 2018; 144 págs.: compre aqui), de Mathew D’Ancona, e A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump (Intrínseca, 2018; 178 págs.: compre aqui), de Michiko Kakutani, tentam elucidar o fenômeno que assola os nossos tempos. D’Ancona é certeiro ao demonstrar que a boataria não é algo puramente atual, mas está enraizado na tradição política – e na política tradicional. Esmiuçando questões históricas, e o cinismo que rodeia a equipe do presidente norte-americano, o jornalista percorre o caminho que deu origem a esse mal – talvez o mal do século. Na contramão das agências de checagem, os grupos de WhatsApp são solo fértil para que essas ervas daninhas informacionais se propaguem. O viés de confirmação – nossa tendência a acreditar em informações que vão ao encontro de nossa convicção – é parte do problema central, argumenta o autor.
Em um momento em que a verdade é ridiculizada, ou perseguida pela polícia do pensamento – ao melhor molde orwelliano –, Kakutani desnuda as engrenagens desse grande relógio que tem como único objetivo atrasar.
Kakutani, que por muitos anos esteve nos campos de batalha da crítica literária do The New York Times – sendo considerada uma das mais duras e ferozes do front –, escrutina a fragilidade do discurso de Trump, mostrando o poder de manipulação da mídia. Com o mesmo olhar arguto que demoliu obras de Jonathan Franzen e David Foster Wallace, Michiko destrincha as artimanhas que dão combustível à atual onda de populismo que assola o mundo.
Em um momento em que a verdade é ridiculizada, ou perseguida pela polícia do pensamento – ao melhor molde orwelliano –, Kakutani desnuda as engrenagens desse grande relógio que tem como único objetivo atrasar. Timothy Snyder, em seu essencial e pedagógico Sobre a tiraria, já demonstrava preocupação pelo desdém do cidadão médio à verdade e à supressão dos livros. Os mesmos alertas foram feitos por Orwell na década de 1940 no ensaio “O que é o fascismo?”, publicado no Brasil em obra homônima, mas o aumento considerável de buscas no Google pelo termo – no dia do pleito de primeiro turno – deixa claro o porquê ainda é tão fácil manipular as massas.
Se por um lado o acesso o fact-checking está ao alcance de todos – basta ir nos sites da Agência Lupa, Comprova, Fato ou Fake e outros –, parece ainda existir uma resistência – de ambos os lados – por quebrar as correntes que prendem ao grilhão do rumo. D’Ancona é cético ao dizer que o cenário mudará em breve. Segundo o jornalista, será necessário um minucioso trabalho de desconstrução da mentira. Michiko não é mais otimista, porém, em contrapartida, enxerga na compreensão dos esquemas e das ciladas como uma saída para escapar da desinformação.
Para barrar, minimamente, as notícias falsas, é importante saber identificá-las. De nada adianta se alimentar de teorias se, na prática, o compartilhar continua pulsando sem nenhum critério.