A quadrinista e jornalista Carol Ito tem uma grande experiência na produção de HQs ligadas aos direitos humanos. Seu trabalho já foi publicado em vários veículos importantes, como a revista piauí, revista Tpm e Agência Pública. Já foi laureada com reconhecimentos no jornalismo: em 2022, recebeu o Troféu Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos por conta da reportagem “Três Mulheres da Craco”, que trata dos problemas enfrentados por mulheres cis e trans da Cracolândia durante a pandemia.
Nesta conversa com a Escotilha, Carol Ito discute a natureza do jornalismo gráfico e as possibilidades que ele traz, além de refletir sobre a forte marca autoral de seu trabalho. Ela está entre as convidadas da Bienal de Quadrinhos de Curitiba.
Escotilha » Carol, há uma espécie de movimento cada vez comum de jornalistas que criam narrativas gráficas. Vc tem projetos bastante reconhecidos, incluindo a reportagem “Três Mulheres da Craco”, pela qual ganhou o Prêmio Vladimir Herzog. De que forma o jornalismo em quadrinhos pode servir para esclarecer a população de certos temas, e no que ele se difere de outros suportes de jornalismo?
Carol Ito » O jornalismo em quadrinhos é vantajoso em três aspectos. O primeiro é o apelo da imagem, pois, às vezes, a pessoa pode até não se interessar muito pelo assunto, mas por conta do desenho e da parte gráfica, ela pode ler sobre tal assunto.
Tem também outra questão importante, que é a possibilidade de ocultar fontes que não devem ser identificadas – principalmente no caso de pessoas em situação de muita vulnerabilidade, ou questões jurídicas. Nesse caso, os quadrinhos possibilitam que você molde a aparência das pessoas para que elas não sejam reconhecidas, ao contrário de uma foto ou um vídeo.
O terceiro ponto é a questão afetiva do desenho. Tem uma frase que eu uso bastante, do quadrinista Robson Vilalba, que é “toda criança já desenhou um dia”. Então ela cresce tendo essa afetividade, com contato com gibis desde a infância. Tudo isso atrai o leitor de formas diferentes.
Seu trabalho também discute muito a questão da saúde mental e temas ligados às mulheres. Eu queria que você comentasse um pouco sobre o processo de recepção do seu trabalho e a relação com o seu público. Quem mais consome seus quadrinhos, e quais retornos você tem dessas pessoas?
Eu trabalho muito com quadrinhos de não-ficção. Dentro da não-ficção, tem o jornalismo em quadrinhos e os quadrinhos biográficos. A maior parte dos temas que eu abordo tem relação com a minha própria vivência e minhas experiências. As questões da saúde mental e dos direitos das mulheres estão sempre presentes porque quero entender melhor e quero que as pessoas tenham acesso a essas informações.
A recepção geralmente é muito calorosa. São assuntos que tocam e sensibilizam muitas pessoas. Penso que quando a narrativa é honesta, isso acaba sendo reconhecido de alguma forma.
Ao lado de outras quadrinistas, você está lançando a coletânea Boy Dodói. Queria que você comentasse um pouco sobre ela e sobre como é trabalhar em uma criação artística em um projeto com mais pessoas.
O Boy Dodói entrou nesse rolê dos direitos das mulheres, e quer abordar o machismo e a masculinidade tóxica que existem nas relações afetivas de pessoas que se relacionam com homens cis. Então, o processo foi bem coletivo mesmo, junto com duas co-editoras, a Helô D’Ângelo e a Bebel Abreu, e a gente pensou nessa publicação para ser a mais diversa possível, com mulheres de vários estados, etnias, raças, gêneros.
Foi um processo bem longo e intenso de selecionar 11 histórias entre as 300 que a gente recebeu desde a convocatória. Mas acho que o resultado conseguiu refletir diversos olhares sobre o mesmo assunto, o que era a nossa intenção. O objetivo, no fim, é tentar mudar as coisas, fazer com que principalmente os homens consigam aprender algo ali e que as próximas gerações de mulheres não sofram mais com atitudes tão retrógradas.
Por fim, qual a importância que você enxerga em eventos como a Bienal de Quadrinhos para os artistas brasileiros?
A Bienal de Quadrinhos de Curitiba é um dos maiores eventos e um dos mais esperados pelos artistas. É muito importante que esse tipo de evento exista e fomente a cena. Para além do evento em si, que é incrível e uma super oportunidade de mostrar o seu trabalho, é uma forma de fomento a essa cultura de leitores e produtores de quadrinhos.
Como já tem uma tradição, muita gente se sente incentivada a trabalhar com isso por conta da Bienal. É uma oportunidade de conhecer pessoas, trocar ideias e aprender sobre o rolê dos quadrinhos. É um evento fundamental hoje. Espero que ele dure muitos anos ainda.
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